domingo, 8 de dezembro de 2013

Dando Defeito

Então bebi cicuta
eu já jaziado
blues etilizado
e comi de uma farofa
esquisita enquanto
as folhas esmagadas
me desciam na garganta.
No mesmo dia, antes
quis dar o nó no lençol,
a voz presa no quarto andar de um hotel fuleiro
gritando as agulhadas
e os papos com as cortinas secas de gelo.
E tinha um quadro cheio de comprimidos
para esconder aquilo que eu tinha visto na parede:
a sombra de um fígado
desenhado chamando meu nome,
a cicuta dando defeito
e eu já engasgado.

Flávio Corrêa de Mello

domingo, 1 de dezembro de 2013

Modo de Máquina

Não vejo.
estou modo de máquina
no teclado de razões
e rumos e ruídos e mensagens.

Obtuso, obscuro, esquivo,
saltando poças e esquinas,
jogo de amarelinha

com Fernando Pessoa
levando minhas porradas.

Pois em modo de máquina
- o egoísta que sou!
há mais outras ferroadas,
ali é lei de seca,
o ops! que se enganou,
era para narrar e dissertou.

Mas aqui correm veias,
sangue e poréns.
É dente trincado, dente afiado:
Todo direito ao Direito!
Toda lei é Hamurabi!
Todo, me devoto ao grande foda-se.
Mas quando fujo no backspace,
me vejo só no meu modo de agora.


Flávio Corrêa de Mello

Papel branco, tinta negra

Mesmo se a folha é branca,
é preta a tinta que ali se crava,
negra como as cicatrizes
na pele da chibata.

E se um dia me digo
que não sou do papel onde escrevo
e afio o grafite de mãos negras,
é porque eu me conheço
na carne dos lábios
a consciência de riscar
preto sobre branco,
um enredo de livro
que somente a faca,
o sangue e o grito,
um dia poderá mudar.

Sigo os rumos das palavras:
setas de arco e flecha na floresta,
zangaia, martelos e moitarás,
sete folhas me fecham o corpo
e os atabaques nos pés descalços
(ainda descalços...)
Òké Aro!!! Arolé!Òsóòsi

E quando a rasteira passa o guizo,
o caminho é alto para quem sobe
e no lombo é a vala que desce
é porque, então, me alfabetizo
na volta que o mundo deu,
na volta que o mundo dá
o que me vale são as preces de hoje,
e os poemas de cor e dor
são minhas armas de me arriscar.

Flávio Corrêa de Mello.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Nota de Falecimento - Sérgio Miguel Braga

O querido amigo e ator Sérgio Miguel Braga faleceu na tarde desta segunda-feira, 05 de agosto, vítima de uma parada cardíaca. Serginho era viciado em teatro, um batalhador. Fez teatro de rua, infantis, produziu e viveu de seu ofício. 

Nos últimos anos, Sérgio rodou o Brasil com o espetáculo "Mário Quintana, o poeta das coisas simples". Foi sucesso de público em várias capitais, em palcos grandes ou arremedos. Se era grande ou pequeno o público, para ele não tinha tempo ruim. Seu humor e sorriso superavam as dificuldades nos palcos da vida. 

Embora não fossemos tão próximos, eu o admirava bastante. E quando nos encontrávamos, geralmente ao acaso, me enchia de felicidade ao vê-lo. Ontem me lembrei de alguns de nossos encontros ao longo dos vinte anos de contato... Um final de semana em Maricá, uma peça de teatro de rua em Piedade, uma fila compartilhada no Banco do Brasil. Me lembrei de nossos papos e principalmente do jeito dele colocar os assuntos, sempre com muito tato e calma (pelo menos comigo). 

Neste fim de semana pensei em procurá-lo para participar do sarau de poesia que integro. Gostaria de convidá-lo para falar de Mário Quintana. Não o procurei, deixei para depois... Curiosamente, a sua última postagem no facebook, é uma fala de Quintana sobre a vida e a morte:

Nasci em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. 
Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. 
Há! Mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 87 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. 
Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade..Mario Quintana.

A cerimônia de despedida do Sérgio será dia 07/08 

Cemitério do Catumbi

Velório: a partir das 9 horas!
Sepultamento: 11 horas



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

AINDA MAIS VIOLENTO

Reproduzo aqui o poema que publiquei na 2ª edição da antologia Vinagre.

Ainda mais violento.

A violência está no ônibus abarrotado,
no pau de arara,
nos trens do subúrbio da central,
tiro dado no olho, tiro perdido
comendo pão amassado, dormido.

A violência está aí e me oprime,
é corda de sisal,
seca e dura,
que me aperta o pescoço
até a inércia completa
ou até eu dizer chega
e queimá-la por força
e escarrar a violenta nova mudança

e do sangue cuspido na terra
nascem as rosas e os cravos,
e o mel e a doçura.

Nascer é um ato violento.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos. 2ª edição ampliada

O download da antologia Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos já está disponível. Para baixá-la basta clicar aqui.

Com prólogo de Alberto Pucheu e organização (des) assinada pelos vândalos Eduardo Sterzi e Fabiano Calixto, a antologia reúne poetas daqui, dali, de acolá... que se manifestaram em poemas em versos e visuais sobre os últimos acontecimentos.

domingo, 28 de julho de 2013

Pretérito Imperfeito de Bruno Lima

Bruno Lima lançou seu primeiro livro há alguns meses, o Pretérito Imperfeito. Não se trata de um escritor novato, um poeta que se perca pelas armadilhas do ego ou que ainda viceja os primeiros passos na artimanha da escrita poética. Também não é um poeta cansado, curvado nas estruturas que dão certo, fato que denota-se na apresentação datada da recolha de poemas que vai de 1993 à 2011, sem obedecer um índice cronológico.

Percebe-se na abertura do livro que a escolha da seleta valorizou o diálogo reflexivo do ato criativo e indica o caráter obreiro de Bruno: "traçar uma linha dentro de um caderno espiral (...)", "as traça dão certeza (...)", "texto tecido tem tempo (...)", "que é traça, que é gasta, que é menos / imprensa ou pergaminho / máquina ou mão." Estes apontam igualmente o vórtice espiralar da poesia de Bruno, sem uma  unidade temática preferencial, mas com o artifício de retomada dos versos e de palavras que aparecem aqui e acolá (o caso de "traça") sugerindo diversos itinerários. Neste ponto me aventuro a identificar na traça o ato que se quer devorador das palavras e dos sentidos múltiplos reservados a poiesis e ao refastelar-se  de cansaço pelo ato constante de reescrever, como podemos visualizar no poema Palavras Operárias:

Palavras Operárias
06/03/2006

Conto o conto com palavras operárias
Tralhas exatas para cada momento
Que é todo, que é aura, que é sempre
Biblioteca ou panfleto
Poeira ou vento.

Leio o texto tecido sem tempo
Pêndulo em compasso com a tradição
Que é traça, que é gasta, que é menos
Imprensa ou pergaminho
Máquina ou mão.

Escrevo e me atrevo com rascunhos garranchos
Hieróglifos conflitos de um instante
Que é curto, que é muito, que é tanto
Limpo ou rasura
Borracha ou estante. 


No poema acima podemos ver os recursos de repetição entremeados nos terceiros versos de cada estrofe. Além de ondular o ritmo do poema marcado pelas repetições há o realce dos enjambements que permitem uma unidade corpórea ao poema sem perder a abertura de sentidos propostos no conjunto do poema: o diálogo com a tradição e os rascunhos, garranchos, de quem se atreve a buscar o seu próprio caminho. Esta parte inicial do livro em que se dialoga com a metaliteratura, a metacriação compreende os poemas Espiral, Palavras operárias, Pulsa pulso, Redondilhas à toa e Pensando em João Cabral

Os poemas que seguem o livro descortinam o olhar do poeta sobre diversos temas e assuntos: família, trabalho, amor, sensações e visões são garatujas moto-contínuas que nos levam por um passeio na admissão de nossas imperfeições da lida do cotidiano. Diferente do pretérito perfeito, o imperfeito é o tempo de um passado durável que lida com a constância e a permanência em tempos remotos ou recentes. Nos poemas, traduzem-se, no meu modo de perceber o livro e a poética do Bruno, na pluralidade de sujeitos temáticos nas quais o eu poético quase se insere, quase é partícipe dos acontecimentos do entorno. No poema curto Exílio podemos distinguir melhor essa silenciosa marca:

Exílio 
(25/11/1993) 

Cala-se em mim
a mais estrondosa
explosão.
A grande nuvem cinza
empoeirada sufoca
meu grito.
Atrás das grades neon
minha luz agora
é cega.

Talvez o poeta tenha se exilado de nos apresentar sua obra há mais tempo. Talvez, só agora, ele reuniu o escopo necessário para por-se ao deleite de seus leitores, nos quais prazeirosamente me incluo. Há na distensão do tempo, nestes quase 20 anos, vários caminhos, sentidos, trilhas, tralhas e possibilidades de leitura de Pretérito Imperfeito. Esses múltiplos horizontes caem perfeitamente bem com o blog do autor, o identidade de um eu



        


Sarau da boca para fora

Na próxima quarta-feira teremos o sarau da boca para fora. Vou ler alguns poemas por lá. Aguardando a presença dos amigos.


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Da Maré à Toulon: Os últimos dias em 3D.

Nós últimos dias, no último mês, ocorre um levante popular na maioria das capitais brasileiras. Um rio movediço, de natureza violenta, atrita as margens governamentais e as forças capitalistas em suas mais diversas representações (o Estado, a mídia tradicional e a Polícia). Sem uma direção assemelhada ao valor de militante-dirigente, mas com algumas pautas elencadas, o caudaloso movimento se estende para vários focos de reivindicação. Permeia-se a urgência e a violência da resposta a qualquer ensaio de calar ou ofuscar sua voz.

Em caráter de análise, podemos ensaiar uma breve tentativa de conhecer a origem deste movimento, breve porque ensejam estudos aprofundados e tempo de maturação, entretanto a urgência de escrevê-lo faz com que somente elenquemos o curso dos fatos históricos ocorridos recentemente: o aumento das passagens, a copa das confederações, o soco do prefeito carioca no cidadão (imagem na qual se insere toda a soberba da representação política perante a queixa da população local). Não obstante, alguns momentos são ímpares na motivação de focos de resistência da população contra os processos mais amplos que ocorrem nos centros urbanos – a gentrificação e as remoções arbitrárias da população local no âmbito do Rio de Janeiro com a inócua pecha de modernização da cidade em oposição à péssima prestação de serviços, o aumento do custo de vida, o pacto governista do petismo com o PMDB e o tratamento que é dado pelas instituições governamentais aos recentes acontecimentos. São eles: a chacina da Maré e a depredação de patrimônio público e privado durante as manifestações.

A relação de causa e efeito, violência gera resposta violenta é ainda mais pertinente. A violência não é gratuita, nem o deverá ser, a moeda é paga no mesmo prato que se come. Se os grupos capitalistas que ombreiam as instituições públicas apoiam-se cada vez mais na prestação de serviços e na corrupção lobista para a manutenção de seus interesses e se a mídia tradicional faz parte desse bolo e de tal modo à massa ela se mistura, as relações políticas tornam-se intercâmbios maquiados e maquinados com o intento de desinformar a sociedade e o movimento, este por seu lado responde quase que imediatamente com contrainformações em sinergéticas expressões vindas diretamente do que acontece inloco


A ambiguidade entre os cargos legislativos e executivos de nossa União, Estados e Municipalidades com os detentores da mídia privada pode-se ser bem verificada através dos dados divulgados no site donos da mídia. Lá, observamos não somente a correlação de forças, mas também imaginamos o quanto à mídia tradicional informação fatual e veracidade são de pesos e medidas correspondentes aos seus interesses.  A divisão se dá da seguinte forma sem detrimento de cargos executivos ou eletivos e sem especificação de mídia, segundo a fonte Donos da Mídia (rádio, jornal impresso, canais retransmissores de televisão):


PARTIDO
SIGLA
QUANT. DE VEÍCULOS
Democratas
DEM
79
Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMDB
75
Partido da Social - Democracia Brasileira
PSDB
59
Partido Progressista
PP
27
Partido Liberal
PL
23
Partido Trabalhista Brasileiro
PTB
22
Partido Socialista Brasileiro
PSB
21
Partido Popular Socialista
PPS
19
Partido Democrático Brasileiro
PDT
17
Partido dos Trabalhadores
PT
13
Partido renovador Trabalhista Brasileiro
PRTB
06
Partido da Mobilização Nacional
PMN
04
Partido republicano Progressista
PRP
04
Partido Verde
PV
04
Partido Social Democrata Cristão
PSDC
02
Partido Trabalhista do Brasil
PTdoB
02
Partido Social Liberal
PSL
01

Já com este pequeno quadro, nós podemos avaliar o papel e a influência da mídia no cenário político e decisório do Brasil. Para completar o confeito do bolo, nossos legisladores se debruçam em um GT recém-criado sobre a proposta de reforma política encaminhada para um possível plebiscito proposto por Dilma Rousseff. Interessante é visualizar que uma das principais propostas discutidas no GT responsável pela elaboração de propostas para a reforma política e cuja coordenaria cabe ao PT na figura de Cândido Vacarezza, é a cláusula de desempenho (barreira) que visa reduzir e até extinguir o fundo partidário correspondente ao incentivo as campanhas políticas dos partidos pequenos, aqueles que não obtiverem 2% da câmara legislativa, conforme noticiado no G1 (Globo) em 19/07/2013. Ou seja, fechar e blindar os partidos maiores que além do fundo partidário contarão entre seus membros filiados os proprietários de mídias.

Paralelo a isso, nos cabe também ponderar sobre a concentração da mídia em megagrupos associados. Ligados a famílias tradicionais, restritas, estes conglomerados atuam em diversos segmentos do mercado de comunicação, desde o audiovisual até o impresso (editoras, jornais e revistas), difundem conteúdo massificado de baixo valor e fatiam o mercado midiático mediante a ineficácia de agências reguladoras responsáveis por fiscalizar a concentração de oligopólios e verificar o caráter informativo de tais veículos, assim como se demarca também a quase ausência de políticas públicas com relação aos fomentos e às redes coletivas de comunicação independentes.

Democratizar a mídia é apenas um dos “d’s” no vasto escopo de temas surgidos nas vozes incaláveis desta “primavera” brasileira. O movimento que se quer esvaziado de lideranças nomeadas – a liderança existe sugerida no princípio de horizontalidade – outras conotações, tags, mensagens, são elencadas tridimensionalmente e envolvem outro “d”: o aprofundamento das relações democráticas. 

A participação na democracia brasileira deve ir além das representações parlamentares, a necessidade do diálogo assim como as soluções propositivas são as exclamações oriundas da rua e espanam os velhos arcaísmos calcados no aperto de mão e tapinha nas costas, nas licitações furadas e nos gastos exorbitantes com obras enquanto os serviços básicos de educação, saúde e transporte público apresentam carências essenciais de garantia de funcionamento para a população brasileira. Nossos ônibus são montados em carroceria de caminhão, próprios para o transporte de objetos e não pessoas. Há o fluxo, o trânsito, as filas enormes, o tempo de imobilismo, todos esses fatores são válvulas propulsoras de angústia e insatisfação e de produção de subjetividades de baixa- estima. No inverso do relógio, a força do povo, a multidão, o enxame zumbe e segue para as ruas, ele é violento, audaz e de respostas significativas. Aturde os poderes estabelecidos e é aturdido por eles, é saudável e feroz como são os nascimentos, e mesmo sem grandes bandeiras estabelecidas, apenas alguns princípios norteadores, talvez esse seja o momento mais importante que podemos presenciar ao longo dos nossos últimos tempos históricos.

Felix Guatarri, filósofo, psicanalista francês, aponta alguns caminhos sobre a relação de ausência de lideranças. Para ele, a ausência é a resultante da burocratização e cooptação dos sindicatos diante da ineficácia de sugerir respostas ao translado das ações do capitalismo. A percepção de sustentáculo do capital não é mais o veio secundário dos meios de produção, mas sim as tecnologias midiáticas e a prestação de serviços, permeadas por uma patogenia na qual se praticam os mesmos modelos de opressão e dirigismo característicos dos modelos binários e de estruturas centralizadas, como ele atesta em as três ecologias:

Um dos problemas-chave de análise que a ecologia social e a ecologia mental deveriam encarar é a introjeção do poder repressivo por parte dos oprimidos. A maior dificuldade aqui reside no fato de que os sindicatos e os partidos, que lutam a princípio defender os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos, reproduzem em seu seio os mesmos modelos patogênicos que, em suas fileiras, entravam toda liberdade de expressão e de inovação". (p. 32)

Assim, vislumbra-se um novo mosaico que vai além, sulcam novos modelos antagônicos aos já estabelecidos (CUT e UNE visivelmente cooptadas e capitaneadas pelos partidos da base governista). Esses movimentos que primam pela horizontalidade em sua essência, com uma voz ainda confusa, mais bem difusa, estão na linha de frente do enfrentamento direto à arma repressora do estado: a polícia. Black Bloc, Anonymous, Mídia Ninja, Punk Art, Fundação Anarquista do Brasil, Tendência Rizomática, se condensam via redes de relacionamento (não mais os comitês zonais ou as plenárias do partido), eles apresentam-nos os três “d´s”, mantendo a pressão na ordem do dia e colocando-se, inclusive, diante da possibilidade da criminalização. Sem moralismo! Uma de suas bandeiras, os rostos mascarados por medidas de preservação contra a faceta mais cruel do capitalismo de agora: o terror da vigilância, das escutas, das câmeras que nos cerceiam o nosso direito de existência individual, pleno. São eles que estão no enfrentamento direto contra a máquina policialesca, contra o gás, contra as balas de chumbo e de borracha e os jatinhos de Eike Batista e Cabral.

Somam-se a estes grupos, uma série de sujeitos plurais de vários matizes, trabalhadores formais, informais, associações de liberdades individuais, movimentos sociais e partidos da esquerda não cooptada (PSTU, PSOL, PCB) cada qual com sua maneira de interagir dentro de sua realidade geopolítica. Estas são as águas do rio movediço.

A luta pela desmilitarização da polícia (nosso último “d”) reproduz ainda a secular luta anticolonial. A polícia militar brasileira é uma das que mais matam no mundo, ela não é preventiva. Segundo dados da ONU em seus relatórios a violência da polícia brasileira (participações em chacinas, acerto de contas e queimas de arquivo) é uma das mais violentas, atrozes.  Vivemos um permanente clima de guerra civil, é histórico e violento e real: Canudos, Contestado, a morte de Zumbi, o golpe militar de 64 e as torturas, são alguns dos vários indícios da manutenção de um poder associado à detenção das riquezas produzidas a custo de muita barbárie e sanguinolência. O Estado nega quase que permanente uma guerra civil diária e a polícia é seu fiel depositário, o cão responsável pela manutenção da ordem, assim o foi na decapitação de Lampião e Maria Bonita, no esquartejamento de Tiradentes, nas chacinas de Canudos, da Candelária, de Vigário Geral, no envolvimento no assassinato da juíza Aciolli e mais recentemente na Maré, estes são somente alguns dos exemplos dos casos de negligência da polícia. Geralmente, o alvo é o pobre, sempre ele.

Desmilitarizar significa responsabilizar diretamente o policial, conceder-lhe uma condição de autonomia e de exercício de cidadania, alçá-lo não mais pela diferença da farda associada ao poder administrativo, mas sim por sua condição humana. O policial da soldadesca e do sub-oficialato é em suas origens ligado as classes sociais pobres. Ele marca a sua distinção de seus congêneres pelo exercício de poder, o mais ralo possível. É força de repressão na característica de uma personagem assimilada aos conceitos variados que exaltam a homofobia, a disciplina militar, a obediência cega, os preceitos de violência. Ainda, suscetíveis à corrupção, fruto de baixos soldos e submetidos a duplas jornadas estressantes em bicos de segurança consentidos na vista grossa (ilegais inclusive, pois não podem exercer a profissão, visto que são funcionários públicos), o nosso policial é um ser fragilizado, passível de neuroses múltiplas pelo contato diário com a banalização de tanta violência, desenvolvendo um padrão sádico de sociopata.

É nos enfrentamentos que ocorrem neste momento que a pressão social se faz mais presente. A garantia dos direitos básicos de se manifestar contrariamente está em jogo. Muita coisa está em jogo, na verdade. E os entes federados tentam calar a voz que emana do povo com repressão e violência. Entretanto, os movimentos sociais articulados, as mídias independentes, os excluídos, os favelados, o lumpesinato, os não assimilados, insurgem contra a ordem policial e espocam respostas à arbitrariedade na maioria das metrópoles brasileiras. Ainda vai ser maior, nós dizemos. A resposta violenta se legitima e coaduna com o que relata José Luis cabaço e Rita Chaves relendo Fanon:

“a violência do colonizado não é, dessa maneira, uma vingança, mas sim a catarse de gerações que já nasceram vendo seus pais humilhados, batidos, presos, subjugados. A violência do colonizado não se reduz à brutalidade, mas a evidência visível de que a correlação de forças que caracterizou a dominação colonial está alterada e que o opressor perdeu definitivamente o privilégio da impunidade”. (p.85)

Por último, é de escopo dos insurgentes a validação de suas queixas e a organização do movimento, de modo que o enxame não se dissolva e nem se esvazie defronte da massificação midiática em prol do governo. Ainda não é claro qual lugar habitará a resposta proveniente das ruas, pois para além da pressão, lutar na América Latina é debater contra a absorção da informação pasteurizada do vandalismo estatal e reinventar-se como ser humano cada vez mais pleno de sensações e de desejos. E o engajamento se faz necessário para se garantir a pluralidade daqueles que optam por ter o direito de existir.

Fontes

CABAÇO, J.L & CHAVES. Frantz Fanon- Colonialismo, violência e identidade cultural. In: ABDALA J.B (org.) Margens da cultura, mestiçagem, hibridismos e outras misturas. São Paulo: Boitempo Editorial, 204 p.67-85.

GUATTARI. F. As três ecologias. 14ª edição.São Paulo: Papirus, 2003.
DONOS DA MÍDIA. Projeto de pesquisa do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (epcon). Disponível em: http://donosdamidia.com.br/inicial data da consulta: 23/07/2013.

MORAES, D. Por que a concentração monopólica da mídia e a negação do pluralismo. In: Barão do Itararé (BLOG). Disponível em:
http://www.baraodeitarare.org.br/index.php/component/content/article/20-slideshow/223-por-que-a-concentracao-monopolica-da-midia-e-a-negacao-do-pluralismo Data da Consulta 23/07/2013

COSTA, F  & PASSARINHO, N. Maiores partidos da câmara querem limitar verba e TV dos menores. IN: G1- Política (Site da Globo). Disponível em:
http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/07/maiores-partidos-da-camara-querem-limitar-verba-e-tv-dos-menores.html Data da consulta: 23/07/2013

 

sábado, 1 de junho de 2013

Flores mortas



Quando se enterra,
se crava ou se escava
os dedos na terra
e se olha não a bela 
mas aquela flor lenta,
e que de secas as pétalas
as pedras mais água têm;

quando o corpo é o osso
reumático, anoréxico,
e ainda a teimosia avara
que estala todo o plexo,
nervoso, perplexo,
de tudo o dificultoso
de ir à terra e revirá-la;

Quando se carquilha
e já é morta a raiz,
as flores já sem vulto,
qual dentre elas levantara
diante de meus olhos
a ausência do mundo,
esse horror profundo?


Flávio Corrêa de Mello

terça-feira, 23 de abril de 2013

Entrevista e Resenha do RIO MOVEDIÇO


Este mês rolou uma entrevista e uma resenha sobre o Rio Movediço.


Confira aqui a entrevista que concedi para o Blog da Mariana Bernardes, do Resultado Desastroso. E aqui a resenha do livro feita pelo Bruno Lima, autor do livro de poemas Pretérito Imperfeito.

sábado, 9 de março de 2013

Prezados,

Na próxima terça 12/03 - 18h é o lançamento do Rio Movediço, meu segundo livro. Vai ser em Botafogo, no boteco Salvação.
Ficarei feliz com sua presença!