sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Aqui não é lugar para os fracos

Aqui não é lugar para os fracos.
Sentimos tua dor como nossa dor
e esperamos o teu sorriso como nosso sorriso,
mesmo amarelecido, enquanto ainda supura
o corpo nos abraçamos para que o suor,
a lágrima e o barulho passem.

Aqui não é lugar para os fracos. Volte,
volte todos os dias. Se a cadeira é tua
a sorte é nossa, meu amigo, apenas volte
para que eu me salve nesta noite.

Ouvi um grito lá fora, um lamúrio esquisito
um nome desconhecido. Ouvi um demônio
me chamando para ver a pólvora
de um 38 com gosto de mármore, de melhoral.
É um diagnóstico desconhecido:
diarréia contínua, olhos esbugalhados.

Aqui não é lugar para os fracos. Aqui,
meu amigo, o que se fala aqui se deita,
se morre, se esquece e se dorme para
acordar no dia seguinte e repetir
o novelo, a linha tênue que nos une,
meu amigo, sofrido amigo, sentinela
com asas cortadas em pleno vôo.

Assim, você feio e desdentado,
desiludido, encarnado, assim você,
você me diz que o mais será revelado,
pois aqui é o lugar dos tortos, aqui
e agora, e hoje, apenas hoje.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

MAÇARICO




Meio-dia: a pele tosta, o suor escorre pela testa.O asfalto fumega azul escuro, cinza, granito e Hades senta-se ao meu lado cuspindo labaredas de álcool. Sua barba vermelha é encoberta de lavas. Já não penso, não sinto, já não ouço os sinos de São Sebastião. Nesta manha de janeiro, a única esperança é que o mar engula a cidade num único gole [ que Deus não me ouça ] ou que o sundown seja o meu manto para me proteger. É hora de fugir, de escavar um buraco e me enfiar debaixo da terra e como um caranguejo, tentar cutelar as barbas de Hades para que ele me deixe.

Duas horas: maçaricos espocam raios nas ruas do Leme. Hades passeia grandioso de Madureira ao Centro. O homem da barraca já não vem mais me oferecer uma água, debaixo de seu sombreirito ele não consegue levantar a vista e ver adiante o horizonte. Ademais, me sinto rendido e prostrado, quase perto do derretimento completo de minhas células. Tenho apenas uma constatação: em pouco tempo serei as cinzas de sunshine. 

Quatro horas: parece que Deus ouviu os grunhidos de uma população suarenta. O céu escureceu mais, acredito, muito mais que no dia do descanso final, e salivas enormes jorraram das nuvens. Em meia hora já consegui colocar meu barco feito de cangas para surfar junto com os ratos pelas ruas do Rio de Janeiro, agora Rio Dilúvio, Rio Movediço.

Seis horas: Com sorvete de creme com chantilly e de banho tomado, assisto na televisão as calamidades. Hades sossegou. O novo vilão da rede globo chama-se São Pedro, codinome desequilíbrio climático. Teresópolis sofre, suas mães choram e seus pais rasgam unhas desesperadamente enquanto escavam a terra a procura de seus entes. 

Oito horas: coloco a sunga atrás da geladeira. Beijo a minha mulher na testa e me pergunto se teremos filhos. Por dentro, me sinto um maçarico vivo.
   

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

REVISTA ESTUÁRIOS - e nº 0

Bem vindos à revista quinzenal ESTUÁRIOS - e. A proposta deste periódico virtual é a publicação de artigos, poemas, crônicas, pictórias e videos, que de alguma maneira chamou, chamam e chamarão a atenção deste blogueiro. O foco editorial é livre, ambivalente, e torço para que reserve algumas surpresas para os visitantes. Não se trata de um noticiário, nem de um relicário das minhas impressões internéticas, mas o escopo flui conforme meu espírito, algumas linhas de afinidades estéticas e ideológicas serão privilegiadas: artes plásticas, literatura, política e o futebol fazem parte da salada.

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Escultura de Jorge Gassetti


POEMAS

"a lágrima"

Adriano Nunes
[ in que faço com o que não faço ]

depois
nós dois
perdemos
os remos
e o cio...

não era
a esfera
aquática,
temática
do rio.

o rio
não era,
a fera
das margens,
vazio.

"falta"
Romério Rômulo


eu não tenho uma casa
nem um cabelo bonito
a minha falta de asa
é que me faz esquisito.


"o moço"
Moacyr Sacramento.

Não me perguntem quantos anos tenho;
e sim, quantas cartas mandei e recebi.

Se mais jovem, se mais velho...
o que importa,  se ainda sou um fervilhar de sonhos,
se não carrego o fardo da esperança morta!

Não me perguntem quantos anos tenho;
e sim, quantos beijos troquei - Beijos de amor!

Se a juventude em mim ainda é festa,
se aproveito de tudo a cada instante
e se eu bebo da taça gota a gota...
Ora! Então pouco se me dá que gota resta!

Não me perguntem quantos anos tenho
mas... queiram saber de mim se criei filhos,
queiram saber de mim que obras eu fiz,
queiram saber de mim que amigos tenho
e se a alguém, pude eu, tornar feliz.

Não me perguntem quantos anos tenho
mas...queiram saber de mim que livros li,
queiram saber de mim por onde andei,
queiram saber de mim quantas histórias,
quantos versos ouvi, quantos cantei.

E assim, somente assim, todos vocês,
por mais brancos que estejam meus cabelos,
por mais rugas que vejam no meu rosto,
terão vontade de chamar-me: O MOÇO!

E ao me verem passar aqui... ali...
não saberão ao certo minha idade,
mas saberão, por certo, que eu vivi!


PROSA

"Vegetativo"
Roberta Mendes
[in Palavra em fuga]


O dia gastou-me até o caroço de mim. O tempo e suas mandíbulas de ponteiros roeram-me ainda o hermético núcleo, empurrando-me contra o duro palato, para, então, girar-me contra a língua espessa das horas à cata de alguma sobra nas reentrâncias. Julgando que me esgotara, deitou-me fora, farejando os restos com o desdém dos cães às tigelas vazias.

...Mas o caroço é a astúcia das coisas, resguardando-se...

Partisse-me o grão, aí sim, mordia-me em cheio o ser. Na porção-grão irredutível de mim, germino a lenta reinvenção da força. Afinal, a palavra de ordem de toda semente é vingar.

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Gatos, ratos.
Eloíse Porto

É da natureza do gato caçar o rato.

Condição inexorável de jogadas perversas de caça e abate da presa.

A cozinha era um tanto asséptica. Um tanto limpa e organizada, nada caótica, arejada e moderna. Poucos móveis, nada surpreendentes, um tanto baixos. Geladeira demasiado pequena, pequena de poucas coisas, nada feito ali, algumas embalagens de comidas prontas já reviradas. A geladeira era bastante antiga, meio steam punk – não por moda, mas por herança ela servia ali. As paredes com metade de azulejo imaculadas de brancas – um fina camada de poeira quase imperceptível, meio poeira, meio névoa, não deixava claro há quanto tempo o ambiente não era limpo ou se o ambiente era de fato real, perceptível de mesma maneira para todos.

Um cômodo retangular e iluminado. Estranhamente iluminado. O sol banhava todas as manhãs e algo ali mantinha aquele calor. Não tinha planta. Nem toalhas, paninhos. Tudo madeira branca e metal. Um pequeno fogão. Algumas prateleiras.

De todo ambiente, era o chão que se destacava. Ligeiramente mais alto, lembrava levemente um palco para algo que jamais seria encenado, ou, num outro ângulo, lembrava a todos que tudo é justamente encenação o tempo todo. O fato que o chão era palco, ali o simples cair do macarrão soprava irrealidades. Como no dia em que, de fato, um pouco de espaguete com molho vermelho caiu sobre ele, e a mancha escarlate sobre o palco, ou sobre o chão, causava o incômodo do sangue na arena. A mancha secava angustiadamente, e por pouco não sai – como se o sangue fizesse parte da própria arena, para nos lembrar que não existe morte sem sangue, para nos lembrar que o sangue faz parte da arena e nada pode tirá-lo de lá.

De todo ambiente, era o chão que se destacava. Ligeiramente elegante, era uma composição quase pós-guerra, anos dourados, anos 50. Preto e branco. Conservado, ou novo – impossível dizer. Quadrados pretos intercalados de brancos. Preto branco preto branco do lado e em cima, formavam um tapete, um puzzle – melhor, um tabuleiro de xadrez, com diferentes peças que se moviam aleatoriamente. Bebiam água. A comida. Há palavras. Ou não tão aleatoriamente.

Nisso, era o gato que buscava de novo a presa.

Mas não sem divertir-se primeiro.

Ele pressente o cheiro de longe. Nessa hora, a alma só sorri, se é que a alma existe. O primeiro cheiro é o início da caçada, do prazer e da morte.

Mais macio do que a sombra, ele torce o pescoço em direção ao rato. Pequeno, frágil, cheio de pudores, de constante medo de tudo que não conhece, medo da própria condição de pequenez, medo de tudo que é maior, medo dele próprio. O rato, só medos. Medo, acima de tudo, de encontrar algo que o perturbe, que o ameace...

É o cheiro do medo que o gato sente. Isso torna a caçada melhor, mais interessante, mais cruel. É dessa forma que ele vê o mundo, é da sua natureza. Num sacudir de pelos, ele percorre a cozinha, um tanto asséptica, mas não tanto, e vê o pequeno camundongo aventurando-se da área de serviço, provavelmente, por onde entrou, pois lá existe uma imensa janela de luz que sempre fica aberta, para o armário de comida, um móvel baixo, nada surpreendente, bastante sóbrio e ao mesmo tempo tentador. O rato enlouquece ao perceber a presença do mal, tonto entre o faro da comida e o pressentimento do aniquilamento e da tortura, ora, tortura – achar comida e abdicar dela ou arriscar-se no blefe e perder a mão? A vida era a arte da eterna tortura... do não ter, do não querer e não poder, a tortura era a arte do não a si próprio.

O gato – nem tão grande, mas bem esperto! – sente a hesitação de segundos e quase pressente o sangue do outro dando voltas e voltas e voltas... e seu coração dispara, era a hora da caça, não podia ser outra, o que faria primeiro, deixaria ele fugir para pegar depois, e se ele fugisse de fato, melhor era então matá-lo a unhadas, mas que prazer existe em abater a presa assim tão facilmente, o que poderia ser, em última instância, a natureza da caça, ou o prazer dela? O que era prazer para um era caçar, e nesse jogo a outra ponta do prazer era o da caça, que tinha medo do abate mas amava, estranhamente, a ideia de fugir. E se a caça acabasse? Como um poderia ter poder e o outro poderia ter a possibilidade de fuga, de triunfo? Os dois só pensavam no próprio triunfo... no prazer do triunfo e na possibilidade da morte. A vida era a arte das possibilidades de vitória ... ou não.

O felino mexeu-se de uma só vez, num bote rápido, mas não tão rápido que pudesse tirar qualquer possibilidade de reação, de maneira que o rato escapa sobre aquele complexo tabuleiro de xadrez para o pequeno esconderijo entre a parede e a máquina de lavar.

Esse era o entreato.

Ali ficou o rato, entre a parede e a máquina de lavar, o cheiro da comida e o predador.

Talvez minutos, talvez horas. Ali, também valia a paciência. Os dois sabiam disso.

O gato espera.



VÍDEO - MÚSICA

Música - Último desejo (Noel Rosa) interpretada por Pedro de Quinane.
videomaker: Carlos Alberto Cunha Bastos







terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Os 13 evangélicos

Enquanto escrevo estas linhas, meus vizinhos dão Glória a Deus e Aleluia!! Todas as terças é o mesmo rosário. Antes de mais nada, eu já aviso aos sobressaltados que eu não tenho nada contra religiões, sou inclusive, um religioso. Entretanto, não posso me abster de achar um saco ter 13 vizinhos que moram em um apartamento de 3 quartos e resolvem deliberar em voz alta seu amor ao Cristo da maneira que eles O compreendem.

Não podem orar em silêncio ou pelo menos em voz baixa? Não podem realizar suas libações na igreja? Bem, devo dizer, que a maneira que eu compreendo a religião, o poder superior, é bem diversa da deles, e de forma respeitosa eu não pratico ou brado meu credo a outros, pois entendo minha intimidade religiosa, minha centelha divina é respeitadora. Por conta disso, ainda não criei quizumba com meus vizinhos. 

Na verdade seria maravilhoso se meus vizinhos conseguissem escutar Deus no silêncio. Seria maravilhoso se eu pudesse escutar Deus no silêncio, me falando que um dia isso passa, isso muda. 

Por outro lado meu ser pensador diz que o ideal é a reunião do condomínio, é o caminho da legalidade. Uma carta condominial para os vizinhos, sanções com multas também funcionam. Alguma coisa precisa ser feita... Pois assim, com tantos glória a Deus os poemas que dançam na minha cabeça não vão ser escritos.

Silêncio por favor!      

domingo, 2 de janeiro de 2011

Despedidas

O Rio de Janeiro 11 horas
o céu vermelho lá fora
o que é? que será?

Assobio meu desejo,
o grito escrutínio, lamúrio,
riso que ouço da minha vizinha chata
(muito chata).

Rocinha se ilumina. Salto sete andares,
sete compassos do Jorge Benjor,
os sete anos que morri
(meu pensamento confuso todos dias).

Salto o cinema, o canal TCM,
a novela e assalto e assisto
tua mão estendida e submersa
numa piscina verde
borbulhando frases de msn
com sotaque inglês:

Dilma se elegeu... Alencar
não morreu... ainda... ainda...
Open your eyes aparece na tela,
uivam as visões, 2011 chegou.

sábado, 1 de janeiro de 2011

1º de Janeiro

43 minutos se passaram, agora é o dia 2 de 2011. Há 89 anos e 43 minutos nascia minha vó. Lá em Bigas, Portugal, numa casa geminada de pé direito alto. A frente era a porta e a janela, ambas em arco. De um lado da rua as casas, de outro um campo vasto. Assim eu recordo 10 anos depois de ter visitado Bigas, 10 anos depois com esse acúmulo de raciocínios, de pensamentos, de vazios.

Hoje enquanto estendia umas roupas no varal bateu uma saudade da minha vovó. Hoje minha complexidade me permite sentir saudades de alguém para além das saudades que eu senti quando visitei a fachada onde ela nasceu.

Esse meu cérebro é um arrazoado de memórias. Permanecem frações, átimos. Mas as sensações atualmente se multiplicam. Verdades, sensações verdadeiras me povoam, como a saudade, a saudade porra! E assim vou vivendo.