domingo, 23 de novembro de 2008

UVITA FUN FUN



Depois de ganhar a Bartolomeu Mitre e caminhar até o Teatro Solis, logo após indo em direção a rambla nos deparamos com a Tangueria Fun Fun. A noite caía rascante e sibilava as árvores e esquinas dos antigos prédios. Um camarada, Mário ou Miguel, não lembro direito o nome, estava na portaria. Agia como um anfitrião, cheio de sorrisos e cumprimentos, distribuindo beijos a esquerda e a direita, um beijinho na face de um músico, um "hola que tal" para nós. Nos contou histórias, entre algumas, falou que o pai era brasileiro e que também não deixava alguns bolivianos entrarem na Fun Fun por conta de andarem sempre com facas escondidas, mas que isso não era mais problema (e distribuía mais beijinhos). Enquanto nos entretinha, ouvia-se lá dentro o som de um violão dedilhando uma voz anasalada. Sentimos a diferença do vento que ardia os olhos daquela do ardido dos vapores de suor dentro do bar. O público era formado basicamente por pessoas mais velhas, boêmios, que entoavam os refrões da dupla que se apresentava num palco minúsculo, uma quina do bar. As paredes são revestidas com porta-retratos de artistas, pequenos, como desses que vemos em livrarias cults e cartazes de concertos, shows de tango, e vários penduricalhos que ocupam cada centímetro do espaço. A reverência a Gardel está em todo o canto da Fun Fun, até mesmo na uvita, bebida semelhante ao San Rafael e que, segundo nosso camarada Mário ou Miguel, é marca patenteada pelos donos do bar. Fun Fun é uma casa centenária ou quase isso e manteve-se sempre na mesma família. Sempre fazendo e bebendo o mesmo aperitivo licoroso. Eu e Maria-Flávia ficamos por lá encharcando o pote durante a apresentação de Tango e depois emendamos no candombe, mas isso é uma outra história. Lá conhecemos Lucia, editora de uma revista de variedades de Montevideo, ela dançava animadamente e brincava com vários convivas. Rolamos toda a noite e saímos literalmente com as cadeiras para cima das mesas e a água nos empurrando para fora do bar.

sábado, 22 de novembro de 2008

LANÇAMENTO - DESCONCERTO

Nesta próxima segunda-feira (24/11) o escritor e articulador literário Claudinei Vieira estará as 18:30 no Cine Odeon, no rio de Janeiro, para lançar o seu primeiro livro impresso, o Desconcerto. Claudinei é o responsável por um dos blog's brasileiros de literatura e cultura mais movimentados do universo Internet. De forma independente e respeitando as diferenças, Claudinei atua no cenário internético há cerca de uma década e é, portanto, um dos blogueiros mais ativos que temos atualmente.
Segue abaixo, o convite virtual e o release do lançamento:


‘Desconcerto’ traz pela primeira vez em livro os contos do escritor, poeta, resenhista e roteirista Claudinei Vieira.

Ao longo de mais de uma década, Claudinei tem publicado seus escritos, pensamentos e críticas principalmente pelos meios eletrônicos em importantes sites e blogs de literatura como Cronópios, iGLer, Paralelos – Globo Online, assim como o fundamental Capitu, e em dezenas de espaços virtuais. Observador fino da realidade, boêmio constante das noites e das histórias paulistanas, agitador cultural da metrópole, organizador de saraus, discussões e eventos literários que já fazem parte do calendário cultural da cidade de São Paulo, como os encontros com prosadores realizados na Casa das Rosas, na avenida Paulista, e com poetas no Sebo do Bac, na Praça Roosevelt, o autor não se preocupa somente em retratar uma visão.

Em cada conto, há a premeditação em desconstruir os enredos, em remontar a linguagem, em encontrar os pontos básicos em histórias e situações aparentemente banais e mostradas de uma forma que também aparentam uma extrema simplicidade. Só que para se perceba que dos detalhes, do extremo banalizado, existem possibilidades infinitas.

Desse modo, um copo quebrado por um garçom que assusta uma garota pode nos fazer pensar no sentido da vida, em conhecer uma bela história de amor, ou não provocar qualquer consequencia no cotidiano dos personagens ou no Universo. Um ladrão de galinhas pode conseguir comida para seus filhos ou ser morto pelo seu melhor amigo. Um delegado pode se intrometer na investigação do seu subordinado puxa-saco.

O tráfico de mulheres e crianças e a violência ao redor do planeta podem estar relacionados com a menina bonita que volta para as aulas ou com os urubus provocarem a verdadeira crise econômico-social no Brasil. Em outros tempos, um padre e um velho sábio discutem sobre religião e ciências, enquanto no centro da Amazônia uma televisão mostra as bundas do carnaval.

Em ‘Ônibus - IA’, conto premiado e publicado em caderno especial pelo jornal O Estado de São Paulo, a história de um cobrador de ônibus e a busca de sua própria condição literária são representativos do cuidado como o autor remontou, revisou e, em alguns casos, reescreveu estes escritos, para montar um volume único, uma obra com firme coerência interna, um belo desconcerto.

Como diz a escritora Márcia Denser em seu prefácio: “Assim é que com uma linguagem desprovida de emoção, uma linguagem fria – dos inventários, dos relatórios, onde não faltam cifras, números, estatísticas – o narrador se aproxima dos seus temas e personagens com um olhar paradoxalmente compassivo, humano, solidário, e este é o grande achado literário de Claudinei Vieira: a combinação da linguagem fria à visada quente, mixando imprevistamente objetividade e compaixão. Razão e sensibilidade. Pelas artes e manhas de uma poética extremamente original.”


DESCONCERTO, de Claudinei Vieira

Editora Demônio Negro

edição limitada e por demanda

20,00

Lançamento no Rio de Janeiro

24 de novembro de 2008 – 18:00 hs

Livraria Odeon

Pça Floriano 7 – Loja B – Cinelândia

Mezanino do Cinema Odeon Petrobras

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

HOTEL PALÁCIO

Enquanto Javier – Flávio olhava através da janela do Hotel Palácio uma construção que estava entre dois prédios cinzas, baixos, um pequeno feixe emoldurado pelo azul, Maria-Flávia observava o bidê do banheiro do quarto, lembrando-se do que havia no banheiro do apartamento em que morou quando criança. Eram semelhantes os bidês e os olhares dos dois. Eles perscrutavam as similaridades de suas infâncias, não só no quarto, mas nos corredores protegidos por pequenas grades que abasteciam o vão de respiradouro fechado por uma imensa clarabóia no edifício velho. De certo modo, concluíam que suas vidas estavam ora desatadas pelo vão ou ora ligadas pelos lances de escada que ocupavam a metade do corpo daquele prédio. No vazio ocultavam-se as expectativas de cada um sobre o futuro do casal, sobre o que restaria de suas individualidades. Nas escadas, os dois apoiavam-se para as subidas e deslizavam de mãos dadas nas descidas. Mas havia também uma outra ligadura, o elevador, este por força de seu conjunto metálico maravilhosamente lustrado, os içava para cima e para baixo pausadamente. Quando descia os deixava no hall quase os jogando na rua através de uma porta de ferro, pesadíssima. Dali era sair por uma Montevideo velha nas costas da Praça da República.

sábado, 15 de novembro de 2008

JAVIER-FLÁVIO E MARIA-FLAVIA

Se eu me chamasse Javier, não o ator, um Javier qualquer, desses que nascem nos vários hospitais ou clínicas ou casas em múltiplas partes do continente americano e se eu mantivesse a mesma aparência que tenho agora: a mesma curvatura, o mesmo andar de passos medianos, os mesmos olhos míopes. E se a minha companheira, minha co-andante, se chamasse Maria, não Flávia, e supondo também que ela possuísse as mesmas características e traços de personalidade. E se, por um acaso, desses que ocorrem somente nas nossas fantasias por enquanto, até que a ciência elucide algo de novíssimo no campo das materializações, nascêssemos em um outro país, digamos um país vizinho ao Brasil, um país de nome Uruguai, em uma cidade de nome Montevideo.

E se caminhássemos pela cidade velha com outros olhos, olhos rotineiros que detêm na retina somente os aspectos mais gerais e as preocupações, sem os detalhes de olhos aguçadamente turísticos, será que viveríamos o que eu (Flávio – não Javier) e Flávia vimos?
A realidade está na surpresa de nossos olhares ou ela tangencia para além?
Javier-Flávio e Maria-Flávia sentaram-se num bar na Bartolomeu Mitre. Era uma Creperia, que obviamente, além dos crepes, tinha um cardápio variado que incluía aves peixes e carnes suculentas. O dia em Montevideo cerrava suas cortinas e o céu celeste colbato despedia-se abrindo as portas para um vento cortante que empestiava o lugar com um frio de inflamar a faringe. Mesmo assim os dois ocuparam uma mesa na calçada, pois não há frio que debilite o vício de dar tragadas. Pediram, para começar, uma Patrícia. As canecas espumaram e o suor de suas mãos diluiu o esbranquiçado opaco que recobria o exterior das canecas. Estalaram largamente o primeiro gole e observaram a luminosidade dos três postes que anunciavam a rambla no final da Bartolomeu. Mantiveram-se calados, apenas olhando os pontos luminosos, unindo-se a eles.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

OFICINA ZONA NORTE EM CRÔNICAS

Leitores (as),
A partir de amanhã executaremos uma oficina literária no Sesc, nas unidades Ramos, Engenho de Dentro e Madureira. Este projeto é uma iniciativa do Sesc Rio em parceria com o Instituto Imagem e Cidadania. As oficinas ocorrerão simultaneamente. Serão oito encontros com duas horas de duração cada. Além de mim, também ministrarão as oficinas os escritores Márcio-André e Victor Paes, e a orientação pedagógica ficará por conta da Marjorie Botelho, do Instituto Imagem e Cidadania.
O foco temático que trabalharemos na oficina é o bairro, o local. Assim, a partir de encontros dinâmicos, leituras de autores clássicos, exercícios criativos e do estímulo da memória dos participantes, vamos produzir crônicas e contos que ambientam-se nos bairros de Ramos, Engenho de Dentro e Madureira.
As inscrições ainda estão abertas e as oficinas são gratuitas. Segue abaixo o convite virtual.