domingo, 28 de julho de 2013

Pretérito Imperfeito de Bruno Lima

Bruno Lima lançou seu primeiro livro há alguns meses, o Pretérito Imperfeito. Não se trata de um escritor novato, um poeta que se perca pelas armadilhas do ego ou que ainda viceja os primeiros passos na artimanha da escrita poética. Também não é um poeta cansado, curvado nas estruturas que dão certo, fato que denota-se na apresentação datada da recolha de poemas que vai de 1993 à 2011, sem obedecer um índice cronológico.

Percebe-se na abertura do livro que a escolha da seleta valorizou o diálogo reflexivo do ato criativo e indica o caráter obreiro de Bruno: "traçar uma linha dentro de um caderno espiral (...)", "as traça dão certeza (...)", "texto tecido tem tempo (...)", "que é traça, que é gasta, que é menos / imprensa ou pergaminho / máquina ou mão." Estes apontam igualmente o vórtice espiralar da poesia de Bruno, sem uma  unidade temática preferencial, mas com o artifício de retomada dos versos e de palavras que aparecem aqui e acolá (o caso de "traça") sugerindo diversos itinerários. Neste ponto me aventuro a identificar na traça o ato que se quer devorador das palavras e dos sentidos múltiplos reservados a poiesis e ao refastelar-se  de cansaço pelo ato constante de reescrever, como podemos visualizar no poema Palavras Operárias:

Palavras Operárias
06/03/2006

Conto o conto com palavras operárias
Tralhas exatas para cada momento
Que é todo, que é aura, que é sempre
Biblioteca ou panfleto
Poeira ou vento.

Leio o texto tecido sem tempo
Pêndulo em compasso com a tradição
Que é traça, que é gasta, que é menos
Imprensa ou pergaminho
Máquina ou mão.

Escrevo e me atrevo com rascunhos garranchos
Hieróglifos conflitos de um instante
Que é curto, que é muito, que é tanto
Limpo ou rasura
Borracha ou estante. 


No poema acima podemos ver os recursos de repetição entremeados nos terceiros versos de cada estrofe. Além de ondular o ritmo do poema marcado pelas repetições há o realce dos enjambements que permitem uma unidade corpórea ao poema sem perder a abertura de sentidos propostos no conjunto do poema: o diálogo com a tradição e os rascunhos, garranchos, de quem se atreve a buscar o seu próprio caminho. Esta parte inicial do livro em que se dialoga com a metaliteratura, a metacriação compreende os poemas Espiral, Palavras operárias, Pulsa pulso, Redondilhas à toa e Pensando em João Cabral

Os poemas que seguem o livro descortinam o olhar do poeta sobre diversos temas e assuntos: família, trabalho, amor, sensações e visões são garatujas moto-contínuas que nos levam por um passeio na admissão de nossas imperfeições da lida do cotidiano. Diferente do pretérito perfeito, o imperfeito é o tempo de um passado durável que lida com a constância e a permanência em tempos remotos ou recentes. Nos poemas, traduzem-se, no meu modo de perceber o livro e a poética do Bruno, na pluralidade de sujeitos temáticos nas quais o eu poético quase se insere, quase é partícipe dos acontecimentos do entorno. No poema curto Exílio podemos distinguir melhor essa silenciosa marca:

Exílio 
(25/11/1993) 

Cala-se em mim
a mais estrondosa
explosão.
A grande nuvem cinza
empoeirada sufoca
meu grito.
Atrás das grades neon
minha luz agora
é cega.

Talvez o poeta tenha se exilado de nos apresentar sua obra há mais tempo. Talvez, só agora, ele reuniu o escopo necessário para por-se ao deleite de seus leitores, nos quais prazeirosamente me incluo. Há na distensão do tempo, nestes quase 20 anos, vários caminhos, sentidos, trilhas, tralhas e possibilidades de leitura de Pretérito Imperfeito. Esses múltiplos horizontes caem perfeitamente bem com o blog do autor, o identidade de um eu



        


Sarau da boca para fora

Na próxima quarta-feira teremos o sarau da boca para fora. Vou ler alguns poemas por lá. Aguardando a presença dos amigos.


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Da Maré à Toulon: Os últimos dias em 3D.

Nós últimos dias, no último mês, ocorre um levante popular na maioria das capitais brasileiras. Um rio movediço, de natureza violenta, atrita as margens governamentais e as forças capitalistas em suas mais diversas representações (o Estado, a mídia tradicional e a Polícia). Sem uma direção assemelhada ao valor de militante-dirigente, mas com algumas pautas elencadas, o caudaloso movimento se estende para vários focos de reivindicação. Permeia-se a urgência e a violência da resposta a qualquer ensaio de calar ou ofuscar sua voz.

Em caráter de análise, podemos ensaiar uma breve tentativa de conhecer a origem deste movimento, breve porque ensejam estudos aprofundados e tempo de maturação, entretanto a urgência de escrevê-lo faz com que somente elenquemos o curso dos fatos históricos ocorridos recentemente: o aumento das passagens, a copa das confederações, o soco do prefeito carioca no cidadão (imagem na qual se insere toda a soberba da representação política perante a queixa da população local). Não obstante, alguns momentos são ímpares na motivação de focos de resistência da população contra os processos mais amplos que ocorrem nos centros urbanos – a gentrificação e as remoções arbitrárias da população local no âmbito do Rio de Janeiro com a inócua pecha de modernização da cidade em oposição à péssima prestação de serviços, o aumento do custo de vida, o pacto governista do petismo com o PMDB e o tratamento que é dado pelas instituições governamentais aos recentes acontecimentos. São eles: a chacina da Maré e a depredação de patrimônio público e privado durante as manifestações.

A relação de causa e efeito, violência gera resposta violenta é ainda mais pertinente. A violência não é gratuita, nem o deverá ser, a moeda é paga no mesmo prato que se come. Se os grupos capitalistas que ombreiam as instituições públicas apoiam-se cada vez mais na prestação de serviços e na corrupção lobista para a manutenção de seus interesses e se a mídia tradicional faz parte desse bolo e de tal modo à massa ela se mistura, as relações políticas tornam-se intercâmbios maquiados e maquinados com o intento de desinformar a sociedade e o movimento, este por seu lado responde quase que imediatamente com contrainformações em sinergéticas expressões vindas diretamente do que acontece inloco


A ambiguidade entre os cargos legislativos e executivos de nossa União, Estados e Municipalidades com os detentores da mídia privada pode-se ser bem verificada através dos dados divulgados no site donos da mídia. Lá, observamos não somente a correlação de forças, mas também imaginamos o quanto à mídia tradicional informação fatual e veracidade são de pesos e medidas correspondentes aos seus interesses.  A divisão se dá da seguinte forma sem detrimento de cargos executivos ou eletivos e sem especificação de mídia, segundo a fonte Donos da Mídia (rádio, jornal impresso, canais retransmissores de televisão):


PARTIDO
SIGLA
QUANT. DE VEÍCULOS
Democratas
DEM
79
Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMDB
75
Partido da Social - Democracia Brasileira
PSDB
59
Partido Progressista
PP
27
Partido Liberal
PL
23
Partido Trabalhista Brasileiro
PTB
22
Partido Socialista Brasileiro
PSB
21
Partido Popular Socialista
PPS
19
Partido Democrático Brasileiro
PDT
17
Partido dos Trabalhadores
PT
13
Partido renovador Trabalhista Brasileiro
PRTB
06
Partido da Mobilização Nacional
PMN
04
Partido republicano Progressista
PRP
04
Partido Verde
PV
04
Partido Social Democrata Cristão
PSDC
02
Partido Trabalhista do Brasil
PTdoB
02
Partido Social Liberal
PSL
01

Já com este pequeno quadro, nós podemos avaliar o papel e a influência da mídia no cenário político e decisório do Brasil. Para completar o confeito do bolo, nossos legisladores se debruçam em um GT recém-criado sobre a proposta de reforma política encaminhada para um possível plebiscito proposto por Dilma Rousseff. Interessante é visualizar que uma das principais propostas discutidas no GT responsável pela elaboração de propostas para a reforma política e cuja coordenaria cabe ao PT na figura de Cândido Vacarezza, é a cláusula de desempenho (barreira) que visa reduzir e até extinguir o fundo partidário correspondente ao incentivo as campanhas políticas dos partidos pequenos, aqueles que não obtiverem 2% da câmara legislativa, conforme noticiado no G1 (Globo) em 19/07/2013. Ou seja, fechar e blindar os partidos maiores que além do fundo partidário contarão entre seus membros filiados os proprietários de mídias.

Paralelo a isso, nos cabe também ponderar sobre a concentração da mídia em megagrupos associados. Ligados a famílias tradicionais, restritas, estes conglomerados atuam em diversos segmentos do mercado de comunicação, desde o audiovisual até o impresso (editoras, jornais e revistas), difundem conteúdo massificado de baixo valor e fatiam o mercado midiático mediante a ineficácia de agências reguladoras responsáveis por fiscalizar a concentração de oligopólios e verificar o caráter informativo de tais veículos, assim como se demarca também a quase ausência de políticas públicas com relação aos fomentos e às redes coletivas de comunicação independentes.

Democratizar a mídia é apenas um dos “d’s” no vasto escopo de temas surgidos nas vozes incaláveis desta “primavera” brasileira. O movimento que se quer esvaziado de lideranças nomeadas – a liderança existe sugerida no princípio de horizontalidade – outras conotações, tags, mensagens, são elencadas tridimensionalmente e envolvem outro “d”: o aprofundamento das relações democráticas. 

A participação na democracia brasileira deve ir além das representações parlamentares, a necessidade do diálogo assim como as soluções propositivas são as exclamações oriundas da rua e espanam os velhos arcaísmos calcados no aperto de mão e tapinha nas costas, nas licitações furadas e nos gastos exorbitantes com obras enquanto os serviços básicos de educação, saúde e transporte público apresentam carências essenciais de garantia de funcionamento para a população brasileira. Nossos ônibus são montados em carroceria de caminhão, próprios para o transporte de objetos e não pessoas. Há o fluxo, o trânsito, as filas enormes, o tempo de imobilismo, todos esses fatores são válvulas propulsoras de angústia e insatisfação e de produção de subjetividades de baixa- estima. No inverso do relógio, a força do povo, a multidão, o enxame zumbe e segue para as ruas, ele é violento, audaz e de respostas significativas. Aturde os poderes estabelecidos e é aturdido por eles, é saudável e feroz como são os nascimentos, e mesmo sem grandes bandeiras estabelecidas, apenas alguns princípios norteadores, talvez esse seja o momento mais importante que podemos presenciar ao longo dos nossos últimos tempos históricos.

Felix Guatarri, filósofo, psicanalista francês, aponta alguns caminhos sobre a relação de ausência de lideranças. Para ele, a ausência é a resultante da burocratização e cooptação dos sindicatos diante da ineficácia de sugerir respostas ao translado das ações do capitalismo. A percepção de sustentáculo do capital não é mais o veio secundário dos meios de produção, mas sim as tecnologias midiáticas e a prestação de serviços, permeadas por uma patogenia na qual se praticam os mesmos modelos de opressão e dirigismo característicos dos modelos binários e de estruturas centralizadas, como ele atesta em as três ecologias:

Um dos problemas-chave de análise que a ecologia social e a ecologia mental deveriam encarar é a introjeção do poder repressivo por parte dos oprimidos. A maior dificuldade aqui reside no fato de que os sindicatos e os partidos, que lutam a princípio defender os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos, reproduzem em seu seio os mesmos modelos patogênicos que, em suas fileiras, entravam toda liberdade de expressão e de inovação". (p. 32)

Assim, vislumbra-se um novo mosaico que vai além, sulcam novos modelos antagônicos aos já estabelecidos (CUT e UNE visivelmente cooptadas e capitaneadas pelos partidos da base governista). Esses movimentos que primam pela horizontalidade em sua essência, com uma voz ainda confusa, mais bem difusa, estão na linha de frente do enfrentamento direto à arma repressora do estado: a polícia. Black Bloc, Anonymous, Mídia Ninja, Punk Art, Fundação Anarquista do Brasil, Tendência Rizomática, se condensam via redes de relacionamento (não mais os comitês zonais ou as plenárias do partido), eles apresentam-nos os três “d´s”, mantendo a pressão na ordem do dia e colocando-se, inclusive, diante da possibilidade da criminalização. Sem moralismo! Uma de suas bandeiras, os rostos mascarados por medidas de preservação contra a faceta mais cruel do capitalismo de agora: o terror da vigilância, das escutas, das câmeras que nos cerceiam o nosso direito de existência individual, pleno. São eles que estão no enfrentamento direto contra a máquina policialesca, contra o gás, contra as balas de chumbo e de borracha e os jatinhos de Eike Batista e Cabral.

Somam-se a estes grupos, uma série de sujeitos plurais de vários matizes, trabalhadores formais, informais, associações de liberdades individuais, movimentos sociais e partidos da esquerda não cooptada (PSTU, PSOL, PCB) cada qual com sua maneira de interagir dentro de sua realidade geopolítica. Estas são as águas do rio movediço.

A luta pela desmilitarização da polícia (nosso último “d”) reproduz ainda a secular luta anticolonial. A polícia militar brasileira é uma das que mais matam no mundo, ela não é preventiva. Segundo dados da ONU em seus relatórios a violência da polícia brasileira (participações em chacinas, acerto de contas e queimas de arquivo) é uma das mais violentas, atrozes.  Vivemos um permanente clima de guerra civil, é histórico e violento e real: Canudos, Contestado, a morte de Zumbi, o golpe militar de 64 e as torturas, são alguns dos vários indícios da manutenção de um poder associado à detenção das riquezas produzidas a custo de muita barbárie e sanguinolência. O Estado nega quase que permanente uma guerra civil diária e a polícia é seu fiel depositário, o cão responsável pela manutenção da ordem, assim o foi na decapitação de Lampião e Maria Bonita, no esquartejamento de Tiradentes, nas chacinas de Canudos, da Candelária, de Vigário Geral, no envolvimento no assassinato da juíza Aciolli e mais recentemente na Maré, estes são somente alguns dos exemplos dos casos de negligência da polícia. Geralmente, o alvo é o pobre, sempre ele.

Desmilitarizar significa responsabilizar diretamente o policial, conceder-lhe uma condição de autonomia e de exercício de cidadania, alçá-lo não mais pela diferença da farda associada ao poder administrativo, mas sim por sua condição humana. O policial da soldadesca e do sub-oficialato é em suas origens ligado as classes sociais pobres. Ele marca a sua distinção de seus congêneres pelo exercício de poder, o mais ralo possível. É força de repressão na característica de uma personagem assimilada aos conceitos variados que exaltam a homofobia, a disciplina militar, a obediência cega, os preceitos de violência. Ainda, suscetíveis à corrupção, fruto de baixos soldos e submetidos a duplas jornadas estressantes em bicos de segurança consentidos na vista grossa (ilegais inclusive, pois não podem exercer a profissão, visto que são funcionários públicos), o nosso policial é um ser fragilizado, passível de neuroses múltiplas pelo contato diário com a banalização de tanta violência, desenvolvendo um padrão sádico de sociopata.

É nos enfrentamentos que ocorrem neste momento que a pressão social se faz mais presente. A garantia dos direitos básicos de se manifestar contrariamente está em jogo. Muita coisa está em jogo, na verdade. E os entes federados tentam calar a voz que emana do povo com repressão e violência. Entretanto, os movimentos sociais articulados, as mídias independentes, os excluídos, os favelados, o lumpesinato, os não assimilados, insurgem contra a ordem policial e espocam respostas à arbitrariedade na maioria das metrópoles brasileiras. Ainda vai ser maior, nós dizemos. A resposta violenta se legitima e coaduna com o que relata José Luis cabaço e Rita Chaves relendo Fanon:

“a violência do colonizado não é, dessa maneira, uma vingança, mas sim a catarse de gerações que já nasceram vendo seus pais humilhados, batidos, presos, subjugados. A violência do colonizado não se reduz à brutalidade, mas a evidência visível de que a correlação de forças que caracterizou a dominação colonial está alterada e que o opressor perdeu definitivamente o privilégio da impunidade”. (p.85)

Por último, é de escopo dos insurgentes a validação de suas queixas e a organização do movimento, de modo que o enxame não se dissolva e nem se esvazie defronte da massificação midiática em prol do governo. Ainda não é claro qual lugar habitará a resposta proveniente das ruas, pois para além da pressão, lutar na América Latina é debater contra a absorção da informação pasteurizada do vandalismo estatal e reinventar-se como ser humano cada vez mais pleno de sensações e de desejos. E o engajamento se faz necessário para se garantir a pluralidade daqueles que optam por ter o direito de existir.

Fontes

CABAÇO, J.L & CHAVES. Frantz Fanon- Colonialismo, violência e identidade cultural. In: ABDALA J.B (org.) Margens da cultura, mestiçagem, hibridismos e outras misturas. São Paulo: Boitempo Editorial, 204 p.67-85.

GUATTARI. F. As três ecologias. 14ª edição.São Paulo: Papirus, 2003.
DONOS DA MÍDIA. Projeto de pesquisa do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (epcon). Disponível em: http://donosdamidia.com.br/inicial data da consulta: 23/07/2013.

MORAES, D. Por que a concentração monopólica da mídia e a negação do pluralismo. In: Barão do Itararé (BLOG). Disponível em:
http://www.baraodeitarare.org.br/index.php/component/content/article/20-slideshow/223-por-que-a-concentracao-monopolica-da-midia-e-a-negacao-do-pluralismo Data da Consulta 23/07/2013

COSTA, F  & PASSARINHO, N. Maiores partidos da câmara querem limitar verba e TV dos menores. IN: G1- Política (Site da Globo). Disponível em:
http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/07/maiores-partidos-da-camara-querem-limitar-verba-e-tv-dos-menores.html Data da consulta: 23/07/2013