Já com este pequeno quadro, nós podemos avaliar o papel e a
influência da mídia no cenário político e decisório do Brasil. Para completar o
confeito do bolo, nossos legisladores se debruçam em um GT recém-criado sobre a
proposta de reforma política encaminhada para um possível plebiscito proposto
por Dilma Rousseff. Interessante é visualizar que uma das principais propostas
discutidas no GT responsável pela elaboração de propostas para a reforma
política e cuja coordenaria cabe ao PT na figura de Cândido Vacarezza, é a
cláusula de desempenho (barreira) que visa reduzir e até extinguir o fundo
partidário correspondente ao incentivo as campanhas políticas dos partidos
pequenos, aqueles que não obtiverem 2% da câmara legislativa, conforme
noticiado no G1 (Globo) em 19/07/2013. Ou seja, fechar e blindar os partidos
maiores que além do fundo partidário contarão entre seus membros filiados os
proprietários de mídias.
Paralelo a isso, nos cabe também ponderar sobre a
concentração da mídia em megagrupos associados. Ligados a famílias
tradicionais, restritas, estes conglomerados atuam em diversos segmentos do
mercado de comunicação, desde o audiovisual até o impresso (editoras, jornais e
revistas), difundem conteúdo massificado de baixo valor e fatiam o mercado midiático
mediante a ineficácia de agências reguladoras responsáveis por fiscalizar a
concentração de oligopólios e verificar o caráter informativo de tais veículos,
assim como se demarca também a quase ausência de políticas públicas com relação
aos fomentos e às redes coletivas de comunicação independentes.
Democratizar a mídia é apenas um dos “d’s” no vasto escopo de
temas surgidos nas vozes incaláveis desta “primavera” brasileira. O movimento
que se quer esvaziado de lideranças nomeadas – a liderança existe sugerida no
princípio de horizontalidade – outras conotações, tags, mensagens, são elencadas
tridimensionalmente e envolvem outro “d”: o aprofundamento das relações
democráticas.
A participação na democracia brasileira deve ir além das
representações parlamentares, a necessidade do diálogo assim como as soluções
propositivas são as exclamações oriundas da rua e espanam os velhos arcaísmos
calcados no aperto de mão e tapinha nas costas, nas licitações furadas e nos
gastos exorbitantes com obras enquanto os serviços básicos de educação, saúde e
transporte público apresentam carências essenciais de garantia de funcionamento
para a população brasileira. Nossos ônibus são montados em carroceria de
caminhão, próprios para o transporte de objetos e não pessoas. Há o fluxo, o
trânsito, as filas enormes, o tempo de imobilismo, todos esses fatores são
válvulas propulsoras de angústia e insatisfação e de produção de subjetividades
de baixa- estima. No inverso do relógio, a força do povo, a multidão, o enxame
zumbe e segue para as ruas, ele é violento, audaz e de respostas significativas.
Aturde os poderes estabelecidos e é aturdido por eles, é saudável e feroz como
são os nascimentos, e mesmo sem grandes bandeiras estabelecidas, apenas alguns
princípios norteadores, talvez esse seja o momento mais importante que podemos
presenciar ao longo dos nossos últimos tempos históricos.
Felix Guatarri, filósofo, psicanalista francês, aponta alguns
caminhos sobre a relação de ausência de lideranças. Para ele, a ausência é a
resultante da burocratização e cooptação dos sindicatos diante da ineficácia de
sugerir respostas ao translado das ações do capitalismo. A percepção de
sustentáculo do capital não é mais o veio secundário dos meios de produção, mas
sim as tecnologias midiáticas e a prestação de serviços, permeadas por uma
patogenia na qual se praticam os mesmos modelos de opressão e dirigismo
característicos dos modelos binários e de estruturas centralizadas, como ele
atesta em as três ecologias:
Um dos
problemas-chave de análise que a ecologia social e a ecologia mental deveriam
encarar é a introjeção do poder repressivo por parte dos oprimidos. A maior
dificuldade aqui reside no fato de que os sindicatos e os partidos, que lutam a
princípio defender os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos, reproduzem
em seu seio os mesmos modelos patogênicos que, em suas fileiras, entravam toda
liberdade de expressão e de inovação". (p. 32)
Assim, vislumbra-se um novo mosaico que vai além, sulcam
novos modelos antagônicos aos já estabelecidos (CUT e UNE visivelmente cooptadas
e capitaneadas pelos partidos da base governista). Esses movimentos que primam
pela horizontalidade em sua essência, com uma voz ainda confusa, mais bem difusa,
estão na linha de frente do enfrentamento direto à arma repressora do estado: a
polícia. Black Bloc, Anonymous, Mídia Ninja, Punk Art, Fundação Anarquista do
Brasil, Tendência Rizomática, se condensam via redes de relacionamento (não
mais os comitês zonais ou as plenárias do partido), eles apresentam-nos os três
“d´s”, mantendo a pressão na ordem do dia e colocando-se, inclusive, diante da
possibilidade da criminalização. Sem moralismo! Uma de suas bandeiras, os
rostos mascarados por medidas de preservação contra a faceta mais cruel do
capitalismo de agora: o terror da vigilância, das escutas, das câmeras que nos
cerceiam o nosso direito de existência individual, pleno. São eles que estão no
enfrentamento direto contra a máquina policialesca, contra o gás, contra as
balas de chumbo e de borracha e os jatinhos de Eike Batista e Cabral.
Somam-se a estes grupos, uma série de sujeitos plurais de
vários matizes, trabalhadores formais, informais, associações de liberdades
individuais, movimentos sociais e partidos da esquerda não cooptada (PSTU, PSOL,
PCB) cada qual com sua maneira de interagir dentro de sua realidade
geopolítica. Estas são as águas do rio movediço.
A luta pela desmilitarização da polícia (nosso último “d”)
reproduz ainda a secular luta anticolonial. A polícia militar brasileira é uma
das que mais matam no mundo, ela não é preventiva. Segundo dados da ONU em seus
relatórios a violência da polícia brasileira (participações em chacinas, acerto
de contas e queimas de arquivo) é uma das mais violentas, atrozes. Vivemos um permanente clima de guerra civil, é
histórico e violento e real: Canudos, Contestado, a morte de Zumbi, o golpe
militar de 64 e as torturas, são alguns dos vários indícios da manutenção de um
poder associado à detenção das riquezas produzidas a custo de muita barbárie e
sanguinolência. O Estado nega quase que permanente uma guerra civil diária e a
polícia é seu fiel depositário, o cão responsável pela manutenção da ordem,
assim o foi na decapitação de Lampião e Maria Bonita, no esquartejamento de
Tiradentes, nas chacinas de Canudos, da Candelária, de Vigário Geral, no envolvimento
no assassinato da juíza Aciolli e mais recentemente na Maré, estes são somente alguns
dos exemplos dos casos de negligência da polícia. Geralmente, o alvo é o pobre,
sempre ele.
Desmilitarizar significa responsabilizar diretamente o
policial, conceder-lhe uma condição de autonomia e de exercício de cidadania,
alçá-lo não mais pela diferença da farda associada ao poder administrativo, mas
sim por sua condição humana. O policial da soldadesca e do sub-oficialato é em
suas origens ligado as classes sociais pobres. Ele marca a sua distinção de
seus congêneres pelo exercício de poder, o mais ralo possível. É força de
repressão na característica de uma personagem assimilada aos conceitos variados
que exaltam a homofobia, a disciplina militar, a obediência cega, os preceitos
de violência. Ainda, suscetíveis à corrupção, fruto de baixos soldos e
submetidos a duplas jornadas estressantes em bicos de segurança consentidos na
vista grossa (ilegais inclusive, pois não podem exercer a profissão, visto que
são funcionários públicos), o nosso policial é um ser fragilizado, passível de
neuroses múltiplas pelo contato diário com a banalização de tanta violência,
desenvolvendo um padrão sádico de sociopata.
É nos enfrentamentos que ocorrem neste momento que a pressão
social se faz mais presente. A garantia dos direitos básicos de se manifestar
contrariamente está em jogo. Muita coisa está em jogo, na verdade. E os entes
federados tentam calar a voz que emana do povo com repressão e violência.
Entretanto, os movimentos sociais articulados, as mídias independentes, os
excluídos, os favelados, o lumpesinato, os não assimilados, insurgem contra a
ordem policial e espocam respostas à arbitrariedade na maioria das metrópoles
brasileiras. Ainda vai ser maior, nós dizemos. A resposta violenta se legitima
e coaduna com o que relata José Luis cabaço e Rita Chaves relendo Fanon:
“a violência do colonizado não é, dessa maneira, uma vingança, mas
sim a catarse de gerações que já nasceram vendo seus pais humilhados, batidos,
presos, subjugados. A violência do colonizado não se reduz à brutalidade, mas a
evidência visível de que a correlação de forças que caracterizou a dominação
colonial está alterada e que o opressor perdeu definitivamente o privilégio da
impunidade”. (p.85)
Por último, é de escopo dos insurgentes a validação de suas
queixas e a organização do movimento, de modo que o enxame não se dissolva e nem
se esvazie defronte da massificação midiática em prol do governo. Ainda não é
claro qual lugar habitará a resposta proveniente das ruas, pois para além da
pressão, lutar na América Latina é debater contra a absorção da informação
pasteurizada do vandalismo estatal e reinventar-se como ser humano cada vez
mais pleno de sensações e de desejos. E o engajamento se faz necessário para se
garantir a pluralidade daqueles que optam por ter o direito de existir.
Fontes
CABAÇO, J.L & CHAVES. Frantz
Fanon- Colonialismo, violência e identidade cultural. In: ABDALA J.B (org.)
Margens da cultura, mestiçagem,
hibridismos e outras misturas. São Paulo: Boitempo Editorial, 204 p.67-85.
GUATTARI. F. As três
ecologias. 14ª edição.São Paulo: Papirus, 2003.
DONOS DA MÍDIA. Projeto
de pesquisa do Instituto
de Estudos e Pesquisas em Comunicação (epcon). Disponível
em: http://donosdamidia.com.br/inicial
data da consulta: 23/07/2013.