sábado, 30 de agosto de 2008

EDGAR ALLAN POE - O CORVO / VIDEO THE GLOAMING




1. Read the original [HERE].
2. E [AQUI] a tradução de Fernando Pessoa.
3. Neste link [DAQUI] a de Machado de Assis.
4. [ICI] Vous lisez la traduction de Baudelaire.
5. Mallarmé a le [CORBEAU] aussi.
6. Jorge Wanderley traduziu o corvo de seu [ESCRITÓRIO] na Uerj.
7. La [TRADUCCÍON] de Juan António Pérez Bonalde.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Exercícios Poéticos - Rio Movediço

Sambaquis no solo. Mantas metálicas e juncos.
Material desargamassado.
Janelas mínimas: flutua luz pardacenta.
Subsolora-se com estacas o interior da terra.
Vermes e caramujos e minhocas são teias intrincadas.
Engrenagens.
Uma parede encarcera a trepadeira pedra sobre pedra
sem ligaduras ou massa o homem é solo
preso sem peso timão ou betume.
Resvala na pedra a lixa que molda formas e palavras minerais.
Reina trança rede e distância que o concreto impõe ao barro.
Da pedra a gengiva evolui à dentição de brita,
da brita ao quartzo, assim adiante,
unhas são limadas.
E o cálcio e o cascalho
cosem a sustância
polindo a beterraba no ventre da mulher,
agora há massa: substância sensitiva
composta de esporas, margens seminadas, bordas lodosas.
Substância cidade: unstubosumasmarginaisumascasas.
Extrai-se da força fincada os acordes de uma história argilada
e dedo por dedo e fio por fio constrói-se a deriva
famílias/fóruns/delegacias/varais de remendos/
restos
de mastros estendidos pela orla/rodas/moinhos de vértebras
e cervicais/samambaias no interior/parcos caminhos
de lavas e placas e letreiros anunciando
verbos de passados e de futuros:
o subsolo pertence aos corpos mortos de Deus.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

ANTÔNIO CÍCERO - MINOS

Caros Leitores,

Minos, de Antônio Cícero, é um dos primeiros poemas que uso-exemplifico em minhas oficinas literárias. Às vezes inverto com o Assim nasce o poema, de Ferreira Gullar. Minos está no primeiro livro do autor, o Guardar, publicado pela Record. O motivo de utilizá-lo se resume ao aspecto de tratar da própria matéria criativa de um poema, a poeisis. Mas não sou o primeiro a dar esse aporte, Silviano Santiago, na orelha do livro, no início, já nos dá a dica de uma boa leitura dos poemas de Cícero, diz-nos:

1. Uma fórmula simples para guardar a poesia de Antônio Cícero? Está no poema “Dita”. A poesia é dita. Dita: particípio passado do verbo dizer. Dita: fartura, destino. Dita: casa de detenção. Eis a fórmula simples: dizer o destino do homem na casa de detenção da poesia. Ali se guardam todas as palavras, as dele e as alheias, até mesmo as antigas que construíram Baabel (“Confusão”) e que, depois, se perderam, repetida e incansavelmente no labirinto de “Minos”.

Do que se trata essa matéria nomeada poesia? A percebemos aqui e acolá, não somente no poema em si, mas também numa construção arquitetônica ou em um filme. A poesia está aquém e além, e o poeta, no caso, Cícero, a inquire, a capta, a rapta, a joga e é jogado por ela, com ela, condensando-a dentro de suas inúmeras possibilidades em um artefato criterioso, um labirinto chamado Minos. Assim, ele nos dispõe, gradualmente, o seu fazer poético sem nos ocultar o minotauro que ele desdobra a nós e, por conseqüência, nos expõe a ela. Vejamos a abertura do poema:
"Não ocultei o monstro: Jamais hei de ocultá-lo.
Jamais erguerei paredes para vedá-lo às vistas dos curiosos
e malidicentes. Jamais hei de exilá-lo."

A primeira questão que devemos nos deparar é o monstro. Pois ele é, se assim posso dizer, o fio condutor, o sujeito. A ele, no poema, todos os predicados vão convergir. Podemos, em uma leitura breve, tentar identificá-lo a partir de várias associações, pluralinzando-o, inclusive: Quem é ou quais são ou o que é ou o que são esses monstros que estão a mostra e dos quais (do qual) o eu poético não deve se envergonhar? Muito embora eu em minhas viagens interpretativas goste de indexar, classificando-o como eu, tu e você ou, também, como deus, o diabo, ou qualquer coisa que habite um espaço indesejado, como uma tênia, por exemplo. E permanece ainda a sugestão de que esse monstro seja a própria matéria poética, por quê não? Enfim, o dito-cujo, a querela, está desnuda no poema e o monstro é apenas monstro ou isso tudo acima que nos possibilita várias viagens. Pensemos, então, no verbo ocultar, pois é isso que dinamizará o poema, o ato de não ocultá-lo, de trazer o monstro para nosso íntimo e quem sabe o expor transformando-o em beleza, em matéria apreciativa. Vejamos:


"(...) Ao contrário:
Plantei-o no trono do salão central que ergui
para abrigá-lo, na capital do meu reino, no umbigo desta
ilha que eu mesmo tornei centro do mundo.
Que para ele convirjam todos os turistas, todas as rotas
marinhas, todas as linhas aéreas, todos os cabos submarinos,
todas as linhas aéreas, todos os cabos submarinos
todas as redes siderais (...)."

O bacana dos versos acima é perceber/visualizar o processo aglutinador. Através de adições e enumerações os elementos (todos os turistas/todas as rotas marinhas/todas as linhas aéreas/todos os cabos submarinos/todas as redes siderais) encaminham-se para o centro do umbigo do salão. O monstro ali no centro conectando-se ao exterior por rotas, cabos, fluxos. Que imagem. Que foto-poema colorido pode acontecer em nós, leitores.
Após confluirmos a leitura linear com as possibilidades imagéticas/visuais, o poema nos sensorializa com repetições labirínticas-sonoras (olha aí a edificação do labirinto do Minotauro):

"(...) Depois, áditos pórticos limiares entradas umbrais aléias
ânditos elevadores passagens escadas ombreiras travessas
portas corredores servidões rampas porteiras vielas
passadouros escadarias portões arcadas soleiras portelas
caminhos galerias sendas portais veredas cancelas
áditos pórticos limiares entradas umbrais aléias
ânditos elevadores passagens escadas ombreiras travessas
portas corredores servidões rampas porteiras vielas
passadouros escadarias portões arcadas soleiras portelas
caminhos galerias sendas portais veredas cancelas (...)"


E assim por diante, repetindo a mesma seqüência por várias vezes, o poema ruma para seu não término, sua infinalização e sua universalidade. Do centro do umbigo e do palácio central, ramificam-se as várias artérias, os vários caminhos poéticos. Nesta parte do poema, aliado ao caráter visual flui a intencionalidade sonora da poética de Antônio Cícero, a criação de um bloco sonoro, repetitivo, denso, com vários substantivos concretos (áditos/pórticos/veredas). Por fim, em Minos apreciamos conjunto logo/imagético/sonoro em todo corpus do poema: Razão> o deslocamento do monstro e sua referencialização como sujeito operante do poema, imagem> a capacidade de criar imagens em um único corpo: os vasos condutores que o conectam com o exterior, som> as repetições que reverberam e ficam retumbando como ecos intermináveis, como uma onomatopéia gritada por um monstro dentro de um labirinto.

Certamente que há outros aportes sobre o poema Minos, mas eu me detenho por aqui, pois as funções basilares deste post são estimular as possíveis leituras do fazer poético, ampliando, por conseqüência, a valorização do mesmo.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

LANÇAMENTO - REVISTA MANUSKRIPTO


O camarada Miguel do Rosário lança a revista manuskriptos!
Prezados hermanos,


Estou lançando a revista Manuskripto (convite em anexo), neste sábado, dia 23/08, às 23:00, na rua Joaquim Silva 90, na Lapa, Rio de Janeiro. O lançamento ocorrerá junto à festa Rock Versos in poesia, um evento grátis com shows de banda de rock e jam session. Grande abraço, conto com vocês lá.


segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Sonetos - Camilo Pessanha

Depois da luta e depois da conquista
Fiquei só! Fora um ato antipático!
Deserta a Ilha, e no lençol aquático
Tudo verde, verde, - a perder de vista.

Porque vos fostes, minhas caravelas,
Carregadas de todo o meu tesoiro?
- Longas teias de luar de lhama de oiro,
Legendas a diamantes das estrelas!

Quem vos desfez, formas inconsistentes,
Por cujo amor escalei a muralha,
- Leão armado, uma espada nos dentes?

Felizes vós, ó mortos da batalha!
Sonhais, de costas, nos olhos abertos
Refletindo as estrelas, boquiabertos...

sábado, 16 de agosto de 2008

VERTENTES


Domingo, dia 17 de agosto às 18h, no Barteliê
com: Elaine Pauvolid, Márcio CatundaRicardo Alfaya, Tanussi Cardoso e com a participação especial deRosa Born, que lerá poemas de Marcio Carvalho. Eles darão uma palinha do que será o novo livro que lançarão juntos!!!
Em 2003, Elaine Pauvolid, Márcio Catunda, Ricardo Alfaya, Tanussi Cardoso e Thereza Christina Rocque da Motta lançaram Rios, pela Íbis Libris. Agora Elaine, Catunda, Alfaya e Tanussi se lançam num novo projeto, preparando outra coletânea, que contará também com a poesia de Marcio Carvalho (in memoriam).
A idéia dos quatro poetas de produzirem parcerias em poesia é antiga e pretende desenvolver-se cada vez mais, seja através de recitais ou publicações. O grande aglutinador é o poeta Márcio Catunda que, mesmo fora do Brasil, mantém a chama da poesia acesa. Ele virá exclusivamente para o recital.
Você não pode perder!
Os poetas mostrarão, pela primeira vez, poemas elaborados para uma nova antologia - Vertentes - a ser lançada em breve.
Após o recital, haverá palco aberto para você mostrar a sua poesia também.
Para quem não conhece o Barteliê, trata-se de um apartamento muito simpático, com cara de ateliê e bar. Ou é um bar muito simpático com cara de apartamento e ateliê? Você precisa conhecer.
Serviço:
endereço: Rua Vinícius de Moraes, 190, apto. 03, Ipanema (esquina com Nascimento Silva).
Ingresso: R$ 5,00
data: domingo, 17 de agosto.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sonetos - Camilo Pessanha

Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...

Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- Porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
- O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...

Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos

terça-feira, 5 de agosto de 2008

ENTREVISTA - MAURO GAMA

Depois de vinte e seis anos sem publicar nenhum livro de poemas, o poeta e crítico literário Mauro Gama, lança pela editora A girafa, o Zoozona seguido de Marcas na noite. O livro reúne poemas escritos durante a década de 70. A noite de autógrafos acontecerá no próximo 14 de agosto, às 19.30 na Livraria da Travessa - Ipanema. Em entrevista ao Rio Movediço, Mauro comenta a participação no movimento práxis, seu processo de construção, o cenário poético contemporâneo e o ato de traduzir poesia, entre outros temas.

O Poeta e crítico literário, Mauro Gama, nasceu em 1938, no Rio de Janeiro. Estudou letras clássicas e ciências sociais, em que se licenciou pela UERJ. Estreou em livro com os poemas de Corpo verbal (1964). Ganhou a vida como redator de editoras e obras de referência, entre as quais cinco enciclopédias, como a Barsa 1, a Mirador internacional (onde foi assessor editorial de Otto Maria Carpeaux e Antônio Houaiss) e Barsa 3. Trabalhou na primeira fase do Dicionário Houaiss e colaborou na imprensa carioca, sobretudo em revistas da Bloch, no Jornal do Brasil e O Globo, em cujo caderno “Prosa & Verso”, de vez em quando, ainda resenha livros de literatura. Auto-exilado de sua grande e violenta cidade, vive hoje principalmente de lexicografia e traduções, em sua Quinta da Janaína, em Mendes/RJ. Outros livros publicados: Anticorpo (1969) e Expresso na noite (1982), poemas; José Maurício, o padre-compositor (1983), ensaio; Michelangelo – cinqüenta poemas (2007: tradução para o português coetâneo e estudo crítico; Prêmio Paulo Rónai da Fundação Biblioteca Nacional) e Zoozona seguido de Marcas na Noite (2008). Mauro Gama tem mais cinco livros de poemas inéditos, dois volumes de crítica e história literária, e muitos cadernos de diário, que escreve há quase 50 anos.


Até o momento seus livros foram publicados esparsamente, Corpo Verbal (1964), Anticorpo (1969), Expresso na noite (1982) e Zoozona, seguido de Marcas na noite (2008). O senhor poderia comentar os porquês de tantos intervalos de tempo?

MG: Salve, Flávio, estive lá no seu Blog. Está muito bonito e repleto de grandes atrações.
Os intervalos de tempo se devem a dificuldades editoriais. Nunca tive como financiar uma edição. Nem a compro depois, como fazem outros. Ofereci o Zoozona a diversas editoras, que o rejeitaram tranqüilamente. Já não há José Olympios, e mercenários não faltam, proliferam como cogumelos. Editoras como A Girafa e o Ateliê Editorial, de S. Paulo, são exceções, que têm à frente homens cultos e de grande respeito pela arte poética, José Nêumanne Pinto e Plínio Martins. Além disso, acho não publicar quase tão bom quanto publicar, pelo menos durante a vida do autor. Ele pode mexer mais em seu material e lhe imprimir maior firmeza. Isso a gente aprende com um dos maiores mestres da música de todos os tempos, Johannes Brahms.

Qual a sua relação com as vanguardas poéticas dos anos 50 e 60 e como se apresenta a práxis criativa na sua produção literária?

MG: Na década de 50 eu era adolescente, já escrevia mas não publicava poemas. Na década de 60, colaborei (com material do segundo livro, Anticorpo) na revista Praxis, dirigida pelo poeta paulista Mário Chamie. Eu e outros poetas cariocas víamos afinidades entre o que fazíamos e a prática poética do Mário. Meu primeiro livro, Corpo verbal, já estava escrito quando conheci o Chamie, a revista e Cassiano Ricardo, grande poeta que sempre deu apoio à vanguarda literária. A minha poesia, assim como a dos outros poetas cariocas da época, não tem nada a ver com as propostas teóricas da revista Praxis. Só um ou outro leitor de superficialidade muito obtusa nos vincula à plataforma do grupo. Ou então um ou outro confrade desonesto, com má-fé, para gabar sua suposta "independência": alguns dos que, com essa atitude, chamaram o nosso trabalho de "poesia-práxis" são copistas de poesia portuguesa consagrada ou da norte-americana beatnik. Em todas as literaturas do mundo escritores podem-se reunir numa revista. No Brasil, não. A epistemologia do brasileiro é o preconceito.

Interessante a questão sobre o preconceito... Como é possível localizá-lo? Digo, por qual viés ele se apresenta, pelo econômico, dado que a disponibilização de recursos como bolsas, prêmios, feiras e congressos são mínimos e não contemplam os vários poetas que fazem um trabalho sério? Ou pelo nucleamento de confrades? Ou o preconceito está na academia, na sua prática seletiva e restritiva?

MG: Não, veja bem. Quero dizer que, por falta do hábito de leitura e do aprendizado sistemático, o brasileiro, em geral, tende a avaliar as pessoas e as coisas através do preconceito, da noção acrítica e emotiva. Nossa sociedade é toda minada pelo preconceito (social, racial ou étnico, moral, sexista, regional, etário etc. etc.) e, nos círculos de escribas e artistas não é muito diferente. Entre outros preconceitos e prevenções que se vêm mantendo nesses meios, está o da oposição ao “grupo”, à associação, a qualquer tomada de posição coletiva. Como se o artista tivesse de ser ainda mais individualista do que os outros, de uma originalidade rigidamente pessoal,“imaculada”, coisa que, é claro, não existe. Na verdade, eu só quis tocar nesse ponto; os outros se mostram em toda parte: no plano econômico, que você citou, em que se insiste em dar à literatura – e a outras atividades – uma função elitista, “elevada” e “enobrecedora” (quando ela precisa exatamente estar livre para esculhambar tudo, se for preciso); ou no plano do academicismo, que lhe é correlato e tende a discriminar o escritor às avessas, num clube fechado, de nababos bem nutridos e porta-vozes do privilégio. Aliás, o privilégio, que no Terceiro Mundo é um dos maiores alicerces do poder, é outro fruto do preconceito, ativo e passivo.

Segundo minha leitura, há em Zoozona uma celebração à vida. A aglutinação vocabular de Zôo e Zona gera um painel temático no qual, na primeira parte, vários animais se humanizam, sendo que cada poema apresenta um animal-tema que é potencializado sentimental-espacialmente e cada um guarda sua característica essencial, seu universo e modo particular de se relacionar com a natureza. Já na segunda parte, a zona, o foco temático é a prostituta. A mulher, ali, é a terra-mãe. Houve, de sua parte, uma possível tentativa de um mosaico natureza-mãe geradora de vida e também a constituição de um kosmos maior que engloba o Zoo (natureza>campo) à Zona (cidade>concreto), Kosmos, esse livre e crítico, reflexo de paradigmas e relações sociais?

MG: Sim, sem dúvida, e tenho de louvar o modo como você percebeu essas coisas. Celebro a vida ao mesmo tempo mais verdadeira e mais ameaçada. As relações sociais percorrem o livro todo, envolvendo também a situação do país em relação aos outros, sobretudo os EUA. É uma poesia de crítica e denúncia permanentes, a partir da ternura pela vida e, especialmente, pelos seres que, ao contrário de nós, vivem aquém da opção e da consciência ativa.

Em se tratando da forma, um dos matizes presentes nos seus poemas de Zoozona e Marcas na noite é o recurso fanopéico. No seu laboro, o som puxa o som, assim como a palavra- puxa- palavra?

MG: Certamente. Não sei se diria "fanopéico": são recursos fonéticos, como aliterações e paronomásias interativas. Você fez bem em lembrar o "palavra-puxa-palavra". Num ensaio memorável (Esfinge clara, 1955), Othon Moacyr Garcia estuda isso na poesia de Drummond. Vem de longe, portanto, mas eu de fato procurei sistematizar esses meios. Há na minha poética um inegável caráter estrutural, isto é, um modo de construir o texto em que os significados e os significantes se tornam indissociáveis do ponto de vista expressivo.


6. Rinoceronte

É o que tem uma sólida bagagem
o candidato de peso ainda mais
que protegido soldado pela
blindagem. Espesso de vista
curta- bólido em massa explosiva
de rumo e bitola reta – quem
melhor pode afrontar (ou esmagar)
leopardos e lebres livres? É todo
de pedra e placa concentração
de granito: não fosse um duro
pendor para a solidão e um
fundo de olhar aflito ou
essa modéstia às vezes de
ter um chifre somente seria
um chefe inconteste na alheia aldeia
dos homens perito em roubos
serviços de arrombamento
e finanças suplícios e morticínios
triturador de detentos tonel
de desesperanças – o líder mais
resistente e o mais apto já visto:
ah! Se não fosse inocente
bem chegaria a ministro.

Cada poema de Zoozona e Marcas na noite apresenta-se como um todo, bem condensado. Não se notam os recursos de enumeração caótica, cortes abruptos e fragmentações. Há uma preocupação com a unidade poética no percurso dos poemas, digo, tanto na concepção da idéia maior sobre os propósitos da obra quanto à realização verso por verso, poema por poema?

MG: É verdade, particularmente nessa fase. É bom, aqui, lembrar a cronologia dessa produção: o Zoozona foi escrito de 1979 a 84. Marcas na noite, de 1969 a 78. Concebo o texto poético como um objeto autônomo no contexto da página e "curto" até a forma exterior que ele assume. Uso 'enumeração caótica' e cortes bruscos em coletâneas posteriores, ainda inéditas.

Decantação

Vêm do sol – posto estes maduros rostos
por entre as folhas os pendões os ventos
vêm sedentos os lábios em frios timbres
noturnos os véus cobrindo os sussurros
num toque de violeta beijo e rendas;
sem que apreendas os nomes a etiqueta
certa em meio aos ruídos indistintos
estalidos nas estantes recortes de
diálogos distantes se acendendo ou
se apagando: e pior desgosto que o
de ouvir e até rever esses rostos
é olhar a paz e o pó dos vidros ou
dos lenços os cheiros e os papéis
se desbotando e escutar em tudo isso
o seu silêncio seu mais liso sedimento
de silêncio na madeira do ar – na poeira.



Antônio Houaiss, no prefácio, te nomeia como o poeta de outros carnavais. Em quais carnavais o senhor se insere no âmbito contemporâneo de nossa poesia?

MG: Houaiss se refere a outros patamares do desenvolvimento da minha linguagem, acredito que particularmente aos conflitos assumidos entre o Corpo Verbal e o Anticorpo, o primeiro de lirismo quase hermético, o segundo todo crítico e repleto de agressividade política. "De outros carnavais" também quer dizer, figurativamente, "de outras obras", "de outras oportunidades".


Em Saída, no Zoozona, o senhor afirma que a poesia brasileira sempre importou os modismos europeus. Ainda os importamos?

MG: No Brasil, infelizmente, sempre se importou e se macaqueou demais. Como você é professor de português, deve-se ver louco ante a passividade com que, hoje, se incorporam todas as sobras do inglês que rola pelo mundo. Na literatura das gerações mais recentes, quero dizer, da década de 1980 para cá, confesso que vejo menos dessa atitude "importadora", embora tenha sido rara sua substituição por outra necessariamente melhor, de maior inventividade ou coisa parecida. Vejo muita confusão, depois de várias décadas de falência educacional. A mesma coisa acontece com as outras artes: há no cenário dezenas de contribuições precárias, indefinidas, mas cujos autores procuram "aparecer" seja como for, e promover esse aparecimento.

Entretanto, quanto maior o fluxo de traduções, maiores as possibilidades de trocas poéticas. O senhor traduziu obras de poetas da estirpe de Michelangelo, livros no campo da sociologia e da dança. Como se dá seu trabalho de tradução? O senhor coaduna com os preceitos de transcriação e recriação. Sendo mais específico, pode nos descrever qual foi o critério que o senhor utilizou para traduzir Michelangelo?

MG: Sim, a tradução, levada a sério, possibilita um mundo de novas trocas, sendo excelente exercício para o poeta e o escritor em geral. Penso sempre na necessidade de se transcriar ou recriar. Meu critério está definido na teoria e na prática daquela coletânea de Michelangelo. Tenho algumas outras experiências, de poetas da língua inglesa e francesa. Para a minha posição, texto não “se adapta”, não “se facilita”, nem “se atualiza”: se passa para um texto e contexto lingüístico equivalentes. Por isso passei o italiano do renascentista Michelangelo para o português do renascentista Camões. Tudo ali está no século XVI. Dá trabalho. É preciso pesquisar a datação de cada palavra. Nenhuma das que usei nos poemas traduzidos apareceu depois, nos séculos XVII ou XVIII, p. ex.


Como o senhor avalia a inserção cada vez maior da Internet no universo literário? O senhor acompanha algum sítio de literatura?

MG: A Internet reflete em todos os seus aspectos o caos dos nossos dias. Tem de tudo, 95% de lixo comunicativo ou comunicóide, mas também instrumentos preciosos de expansão da literatura e dos conhecimentos, como o Google, a Wikipedia etc. Entre os nossos sítios brasileiros, recomendo menos os de discussão estéril, com cacoetes e cagações de regra de natureza acadêmica, e mais os blogues vivos como o Balaio, dirigido pelo poeta Moacy Cirne, com amplo espectro de divulgação literária e ideológica, e o seu espaço, o Rio Movediço.
Por último, após a publicação de Zoozona, quando teremos o prazer de lermos outras obras do senhor?

MG: Tão logo uma editora queira publicar um dos meus cinco ou seis livros de poemas ainda inéditos, inclusive os mais recentes. O último deles, Com'andantes, parece ser uma culminância do que consegui até o momento. Tenho também dois livros de crítica e história literária, e muitos volumes de diário, que ainda preciso pentear.

O CONVITE PARA O LANÇAMENTO:








segunda-feira, 4 de agosto de 2008

FLAP- À DOIS PALITOS DAQUI, FAZ-SE LITERATURA EM SP

Meu espírito não está por aqui. está com o pessoal lá de Sampa. Los hermanos supimpas que estão agitando a noite paulistana. Ah se eu tivesse o tempo para ir para lá e tomar um chop com a turma. Mas, não deu para ir, grana curta, compromissos, filas de ônibus e cartão de ponto, este ajuntado de coisas me impedem. Fico por aqui curtindo a saudade da casa das Rosas, da Rüsche e do Claudinei Vieira, o bom de sinuca, sem falar na Tati e no Balzac. Entoces, vou fazer uns recortes por aqui e postar o que está rolando por lá, assim quem sabe né, destilo um pouco dessa saudade.



sobre a matéria da que saiu da flap na globonews, Ana Rüsche escreve para o blog da FLAP:
É evidente que não se irá falar da importância dos meios de comunicação em massa, há tanto espaço aí para essa discussão (ou talvez nem tanto). Nem que esse ano foi moleza divulgar o evento nos lugares mais-mais da mídia paulistana. Sim, parece que a poesia entrou na pauta.
E agradecimento aos jornalistas com coração que na semana passada ajudaram bastante a gente, mesmo os que não conseguiram espaço. Puta madre i*, vcs tb fazem a FLAP! E também aos blogueiros que estão aí no corre. Aliás, juro que atualizaremos os blogues amigos, ufa - recebemos sim teu e-mail!
E PUTA MADRE ii!*, ontem estava tudo realmente tão bonito na Casa das Rosas, de chorar, de chover depois de tanto tempo sem água, de lavar as calçadas e a alma.
Bem, o título era mesmo para ser sensacionalista. Contudo, por uma via perpendicular, a ida da Globonews provocou um parto interessante de idéias, pois o repórter queria-porque-queria saber, com essa muita vontade peculiar aos jornalistas, qual a maior diferença entre os poetas da FLAP! e os mais poetas mais antigos. Hum, geração zero-zero, geração zerada, ai, ai, o que pode ser agora um reluzente par de ovos brancos e apodrecer rapidamente pra feder. A ressaca odoborogodó & outros gorós dá aquele rolê na loja de conveniência dos lugares comuns e blábláblá e não responde nada. Isso foi umas 13h.
Depois de resolver 10 mil pepinitos felizes durante à tarde, pegar a energia boa da galera, umas 16h fiquei de papo furado com o repórter. E contei do Blogue da FLAP!, dos blogues amigos (ele já tinha visto as transmissões ao vivo). E também do Peixe de Aquário, dos poemas invisíveis - poemas que não cabem no papel, do El Libro de Alan, enfim essas coisas cujo suporte é inteiro virtual e tem lançamento com vídeo e chat. Contei ainda da nossa emoção quando o Gianca Guapaya e a María Eugenia entraram on-line durante nossa primeira transmissão da FLAP! - parecia contatos imediatos de 3º grau, hehe. Enfim, esse monte de traquinagens felizes que exercitamos por aí. E mandamos via twitter. Afinal, o messenger é geração 90.
Aí veio a resposta para a tal pergunta. Lembra dos grafiteiros? Então, já que as galerias de arte não davam espaço para uma arte mais comunicativa, quizás pop, mais urbana, mais divertida (arte que as pessoas entendem!) e fecharam-se para o academicismo, hermetismo e outras panelas enfadonhas, os caras desencanaram e mandaram ver nos muros. No início era uma coisa vista como ingênua. Puta madre iii*, e agora Os Gêmeos estão onde estão! E assim, os grafiteiros criaram seu próprio espaço, onde antes só tinha muro.
E criar espaços onde não existiam é um ato de artista. Mesmo que sejam espaços imaginários. The fiction of life. E nada mais apropriado que sejam os poetas, digo esses de coração leves, llenos de ternura y delírio, criaturas de imaginação solta, fofura radicais sempre jugando como niños, que imaginam o próprio espaço.
Que é também o teu. Essa tela de mil dimensões ainda não exploradas. Esses tantos outros lugares criados com o jeitinho de distribuir Casulos improváveis em locais antes esquecidos, de organizar Festivas desorganizados para tudo se organize no vamos-de-mãos-dadas, de fazer revistas que Não Funcionam, de descolonizar corações. E ver com certo desinteresse as editoras que deixam teu original apodrecer, círculos viciados como a universidade que nem chega a conhecer a produção da década de 80 e quer autorizar-desautorizar poetas (até é engraçado de pensar, hehe) e os discursos autoritários que tentam inutilmente erguer um cânone entre farrapos. Ah, pobres mortais… el amor es decidir que no hay que morirse…
O espaço está criado. Isso é um fato, o resto é futuro. O espaço que não existe. Só existe AGORA que você me lê. Este. Pode tocar na tela que tocará em muitos. Só o impensável é impossível.

ana rüsche
***
Vídeo produzido durante o encontro: