quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Editor Independente - Luís da Câmara Cascudo

Não discuto que o Livreiro-Editor é destinado a ganhar dinheiro. Deve ganhar dinheiro como se vendesse carne, peixe ou frutas. O essencial é que não distribua o produto avariado e meio podre. Poderá inundar o mercado de livros fáceis e bonitos por fora, mas inúteis e até dispensáveis. Cada ano podíamos fazer um exame de consciência para os nossos editores. Separar as edições que trazem dinheiro e as que, necessariamente, constituirão o auxílio do livreiro à cultura do país. Como a ninguém é dado o direito de monopolizar patriotismo, sabemos que o patriotismo de um editor é perder, isto é, deixar de ganhar, alguns contos de réis, oferecendo ao seu país dois ou três livros por ano pouco vendíveis e possivelmente encalhados nas prateleiras. Mas esses dois ou três livros são cheques que algum dia serão descontados. Seria curioso estabelecer a relação entre as toneladas de romances traduzidos ou copiados para o português, e os volumes de caráter científico oferecido ao público leitor. Como os editores têm os seus técnicos, os orientadores, as traduções dependem das simpatias individuais ou políticas desses órgãos. Tanto mais estridentemente “libertário” mais prisioneiro de sua casta, algemado ao seu grupo que o conduz para os horizontes imóveis da unilateralidade.
Quando um editor se filia a um “grupo” ou centraliza um “grupo” perde o direito a essa participação livre à cultura independente. Condiciona seu esforço dentro dos moldes afetuosos da preferência. Pode ser que a explicação seja coincidir a sua simpatia com a simpatia coletiva, isto é, do mercado comprador. O que se nota é a conquista do mercado para esses favoritos, a insistência do reclame, a obstinação na vulgarização quotidiana, o cuidado das capas bonitas, a rapidez das reedições mesmo quando a inicial não se esgotou. Tudo isso é banal e não pertence ao Brasil. Está no Rio de Janeiro, em Buenos Aires, em Cabul, em Ragun e em Bangkok.
Um índice para a “utilidade editorial” é recordar os nomes revelados ou defendidos por ela. Um editor deve “satisfazer” ao gosto do público numa percentagem de 98%. E deixar dois por cento, para atender ao gosto de quem não é público nem pensa por números de maioria, nem obedece ao imperativo de ir-na-corrente nem passivamente repetir o gosto-porque-todos-gostam. Não é possível dar sempre chocolates ao bebê chorão e guloso...
Luís da Câmara Cascudo.
Diário de Natal - 1948