domingo, 27 de setembro de 2009

Dia de Chuva

Chove. Chove muito na Carioca. O vento recorta a Senador Dantas e esfria as luzes verdes e amarelas da Petrobrás. Chove. Acendo um cigarro e na primeira tragada ele está molhado. Apalpo meu corpo, minhas costelas, o jeans colado de suor e chuva. Um rato se esgueira, luta contra correnteza que insiste em arrastá-lo para o fundo do bueiro. Chove mais. Chove muito. O rato não resiste, afunda junto aos restos de uma 13 de Maio castigada por guimbas e bugigangas e restos de papel de presente e toda sorte de material deixado para trás por camelôs desanimados. Um velho, aparentemente bêbado, se arrepende de tudo e joga o resto de guarda-chuva que ele ainda pensava ser capaz de protegê-lo das águas incessantes, das imperiosas golfadas de Deus. Ele se ajoelha diante de mim e de seus olhos cavos veio um pedido de ajuda, um pedido por uma mão, um empurrão para cima. Eu o levanto. Minimamente apurado, vai embora, caminhando tortuoso, apenas isso, vai embora. Chove cada vez mais. O centro se esvazia rapidamente e uma solidão de frio e reumatismo me assola, me imobiliza, me despreza. No meu ato divino de criação, o centro, agora, está submerso, é uma atlantes e esta chuva nada mais é que meu desespero de ser Deus, nada mais é que o meu estado de latência e de cansaço, nada mais é que o choro que deixo escorrer durante essa noite em que esmoreço sozinho a sua falta aqui ao lado.

sábado, 5 de setembro de 2009

do diário de notícias particulares

Faz tempos que não escrevo umas linhas para mim. Digo, aquela coisa da ourivesaria, de escrever umas linhas artísticas. Talvez porque falte inspiração. Talvez porque ainda me adapto ao novo trabalho e há um esforço mental extra. Talvez porque gosto de procrastinar. Não que eu não escreva. De fato, envio emails cotidianamente. Se antes passava horas em pé, locomovendo-me por entre as lombadas de livros para atender as demandas de clientes. Agora, posso as horas dedicando-me aos fornecedores e distribuidores de livros. Emails, muitos emails escrevo em uma jornada de laboro. Daí, também, se escoa minha atividade literária - na elaboração dos tais comunicados e contatos. Mas, verdade seja dita, também tenho lido pouco, logo (a coisa funciona assim... por simbiose e contaminação) escrevo pouco, mui pouco.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Lidice

Lidice renasce. A renascida.
De seus trezentos mortos,
de suas cinzas surge a Fênix.
Olhos angulosos.
Olhos Heil Hitler.
Olhos raios!

pois aqui sobreviemos
e vivemos para além
desta insujeita,
desvária e desvalida
arrogância de tentar
arrastar-nos para verdades
que não compreendemos.
Lidice, fênix e eu,
Flávio, forasteiro e insano,
descuidado e impreciso,
morto e renascido
a cada dia, a cada hora,
só por hoje, só por hoje.
Aquela cidade está por aqui
batendo um vaso sanguíneo
aquela cidade me faz
viver mais, acreditar mais.