terça-feira, 1 de abril de 2014

Baía de Guanabara

Como duas folhas jogadas ao mar,
pés flutuam, suas faces são visagens
de um cardume de personagens
que um dia mergulhou na Baía:
Mem e Estácio de Sá lambendo
os pés do Gigante adormecido,
gosto mareado, enjoo e lastros
e golfadas de plástico
no emborco da escuna.

O forte Tamandaré
já não é tanto a pedra
ou o coração torturado
de Fernando Santa Cruz
nem tampouco a morada
dos sedimentos de antigas baleias,
é agora, na secura da visão,
o entorno do lixo de águas abrigadas,
momento em que me desobrigo
de qualquer ser em que um dia sonhei:
coração torturado, irascível,
pensamento sonolento de poeta,
pasto de coisas tardias.

Mais adiante há por trás do lixo de enseada
um disco voador no chapéu de duas meninas,
voam palavras, os poemas são vassouras de mil garis
e a pá toureia no pé da praia de Icaraí
varrendo para aqui e para ali
as últimas ceroulas do baile da ilha Fiscal.

E berro debaixo da ponte,
de lá já caí e levantei
no repasto que estaca
o forte do Tamandaré,
o tesouro da Ilha Fiscal.

São dois os pés e as folhas,
miragens de como estou:
bobo da corte ou mágico de Óz,
o pilar no meio do mar,
vértebra da baía,
a ponta que liga o Rio à Niterói
e imagino: navegar à noite corrói.

Flávio Correa de Mello