quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

MAÇARICO




Meio-dia: a pele tosta, o suor escorre pela testa.O asfalto fumega azul escuro, cinza, granito e Hades senta-se ao meu lado cuspindo labaredas de álcool. Sua barba vermelha é encoberta de lavas. Já não penso, não sinto, já não ouço os sinos de São Sebastião. Nesta manha de janeiro, a única esperança é que o mar engula a cidade num único gole [ que Deus não me ouça ] ou que o sundown seja o meu manto para me proteger. É hora de fugir, de escavar um buraco e me enfiar debaixo da terra e como um caranguejo, tentar cutelar as barbas de Hades para que ele me deixe.

Duas horas: maçaricos espocam raios nas ruas do Leme. Hades passeia grandioso de Madureira ao Centro. O homem da barraca já não vem mais me oferecer uma água, debaixo de seu sombreirito ele não consegue levantar a vista e ver adiante o horizonte. Ademais, me sinto rendido e prostrado, quase perto do derretimento completo de minhas células. Tenho apenas uma constatação: em pouco tempo serei as cinzas de sunshine. 

Quatro horas: parece que Deus ouviu os grunhidos de uma população suarenta. O céu escureceu mais, acredito, muito mais que no dia do descanso final, e salivas enormes jorraram das nuvens. Em meia hora já consegui colocar meu barco feito de cangas para surfar junto com os ratos pelas ruas do Rio de Janeiro, agora Rio Dilúvio, Rio Movediço.

Seis horas: Com sorvete de creme com chantilly e de banho tomado, assisto na televisão as calamidades. Hades sossegou. O novo vilão da rede globo chama-se São Pedro, codinome desequilíbrio climático. Teresópolis sofre, suas mães choram e seus pais rasgam unhas desesperadamente enquanto escavam a terra a procura de seus entes. 

Oito horas: coloco a sunga atrás da geladeira. Beijo a minha mulher na testa e me pergunto se teremos filhos. Por dentro, me sinto um maçarico vivo.
   

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