segunda-feira, 25 de agosto de 2008

ANTÔNIO CÍCERO - MINOS

Caros Leitores,

Minos, de Antônio Cícero, é um dos primeiros poemas que uso-exemplifico em minhas oficinas literárias. Às vezes inverto com o Assim nasce o poema, de Ferreira Gullar. Minos está no primeiro livro do autor, o Guardar, publicado pela Record. O motivo de utilizá-lo se resume ao aspecto de tratar da própria matéria criativa de um poema, a poeisis. Mas não sou o primeiro a dar esse aporte, Silviano Santiago, na orelha do livro, no início, já nos dá a dica de uma boa leitura dos poemas de Cícero, diz-nos:

1. Uma fórmula simples para guardar a poesia de Antônio Cícero? Está no poema “Dita”. A poesia é dita. Dita: particípio passado do verbo dizer. Dita: fartura, destino. Dita: casa de detenção. Eis a fórmula simples: dizer o destino do homem na casa de detenção da poesia. Ali se guardam todas as palavras, as dele e as alheias, até mesmo as antigas que construíram Baabel (“Confusão”) e que, depois, se perderam, repetida e incansavelmente no labirinto de “Minos”.

Do que se trata essa matéria nomeada poesia? A percebemos aqui e acolá, não somente no poema em si, mas também numa construção arquitetônica ou em um filme. A poesia está aquém e além, e o poeta, no caso, Cícero, a inquire, a capta, a rapta, a joga e é jogado por ela, com ela, condensando-a dentro de suas inúmeras possibilidades em um artefato criterioso, um labirinto chamado Minos. Assim, ele nos dispõe, gradualmente, o seu fazer poético sem nos ocultar o minotauro que ele desdobra a nós e, por conseqüência, nos expõe a ela. Vejamos a abertura do poema:
"Não ocultei o monstro: Jamais hei de ocultá-lo.
Jamais erguerei paredes para vedá-lo às vistas dos curiosos
e malidicentes. Jamais hei de exilá-lo."

A primeira questão que devemos nos deparar é o monstro. Pois ele é, se assim posso dizer, o fio condutor, o sujeito. A ele, no poema, todos os predicados vão convergir. Podemos, em uma leitura breve, tentar identificá-lo a partir de várias associações, pluralinzando-o, inclusive: Quem é ou quais são ou o que é ou o que são esses monstros que estão a mostra e dos quais (do qual) o eu poético não deve se envergonhar? Muito embora eu em minhas viagens interpretativas goste de indexar, classificando-o como eu, tu e você ou, também, como deus, o diabo, ou qualquer coisa que habite um espaço indesejado, como uma tênia, por exemplo. E permanece ainda a sugestão de que esse monstro seja a própria matéria poética, por quê não? Enfim, o dito-cujo, a querela, está desnuda no poema e o monstro é apenas monstro ou isso tudo acima que nos possibilita várias viagens. Pensemos, então, no verbo ocultar, pois é isso que dinamizará o poema, o ato de não ocultá-lo, de trazer o monstro para nosso íntimo e quem sabe o expor transformando-o em beleza, em matéria apreciativa. Vejamos:


"(...) Ao contrário:
Plantei-o no trono do salão central que ergui
para abrigá-lo, na capital do meu reino, no umbigo desta
ilha que eu mesmo tornei centro do mundo.
Que para ele convirjam todos os turistas, todas as rotas
marinhas, todas as linhas aéreas, todos os cabos submarinos,
todas as linhas aéreas, todos os cabos submarinos
todas as redes siderais (...)."

O bacana dos versos acima é perceber/visualizar o processo aglutinador. Através de adições e enumerações os elementos (todos os turistas/todas as rotas marinhas/todas as linhas aéreas/todos os cabos submarinos/todas as redes siderais) encaminham-se para o centro do umbigo do salão. O monstro ali no centro conectando-se ao exterior por rotas, cabos, fluxos. Que imagem. Que foto-poema colorido pode acontecer em nós, leitores.
Após confluirmos a leitura linear com as possibilidades imagéticas/visuais, o poema nos sensorializa com repetições labirínticas-sonoras (olha aí a edificação do labirinto do Minotauro):

"(...) Depois, áditos pórticos limiares entradas umbrais aléias
ânditos elevadores passagens escadas ombreiras travessas
portas corredores servidões rampas porteiras vielas
passadouros escadarias portões arcadas soleiras portelas
caminhos galerias sendas portais veredas cancelas
áditos pórticos limiares entradas umbrais aléias
ânditos elevadores passagens escadas ombreiras travessas
portas corredores servidões rampas porteiras vielas
passadouros escadarias portões arcadas soleiras portelas
caminhos galerias sendas portais veredas cancelas (...)"


E assim por diante, repetindo a mesma seqüência por várias vezes, o poema ruma para seu não término, sua infinalização e sua universalidade. Do centro do umbigo e do palácio central, ramificam-se as várias artérias, os vários caminhos poéticos. Nesta parte do poema, aliado ao caráter visual flui a intencionalidade sonora da poética de Antônio Cícero, a criação de um bloco sonoro, repetitivo, denso, com vários substantivos concretos (áditos/pórticos/veredas). Por fim, em Minos apreciamos conjunto logo/imagético/sonoro em todo corpus do poema: Razão> o deslocamento do monstro e sua referencialização como sujeito operante do poema, imagem> a capacidade de criar imagens em um único corpo: os vasos condutores que o conectam com o exterior, som> as repetições que reverberam e ficam retumbando como ecos intermináveis, como uma onomatopéia gritada por um monstro dentro de um labirinto.

Certamente que há outros aportes sobre o poema Minos, mas eu me detenho por aqui, pois as funções basilares deste post são estimular as possíveis leituras do fazer poético, ampliando, por conseqüência, a valorização do mesmo.

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