Há tempos não via um jornal de poesia. Há tempos... Me lembro de alguns jornais que recebia aqui e acolá. Me lembro e ainda vejo na porta do CCBB e dos espaços culturais, na praia, e em alguns lugares do Rio, quando ainda me aventuro a sair de casa. Me lembro de ver os poetas, os jovens poetas vendendo seus zines xerocados, seus poemas de cabelos encaracolados e óculos e chapéus e breves costeletas cerradas. Mas são diferentes estes poetas, tem materiais diferentes também. Bem diferentes desse belo trabalho que recebi quando circulava pela praça São Salvador, dia desses, perfazendo meu itinerário de retorno à casinha.
Lá estava Éber, com seu recém fornado Relâmpagos dentro de sua mochila, ele e seu jornal, seu recorte de palavras sentado no Casa Brasil, sorrindo para a vida e feliz por sua mais nova empreitada: publicar, mostrar, saber que seus poemas não são mais somente seus e sim de quem por ventura, amor, conhecimento, tenha a chance de passar os dedos pelo jornal. Eu, no meu caso, o obtive por sorte, destino. E, conforme prometi, li o jornal e pincei alguns poemas que agora deixo para os leitores deste Rio Movediço. O legal destes poemas é o sentido de curteza, de versos amiúdes que são dispostos em dísticos que se espalham ao longo do jornal, aforismos, exatamente aforismos, compondo assim, esse mosaico de vários relâmpagos e trovoadas.
" na falta de assunto
puxe uma pistola"
"passa o rodo que a poça tá foda"
"bota mais forro nesse caixao
que ela morreu de minissaia "
E e esta é a tônica da composição de relâmpagos, versos econômicos, vozes em profusão, joguetes, burburinhos. Como diz Chacal na abertura do jornal: "(...) seus aforismos são achados na rua, parecem inesgotáveis, mas são mesmo notáveis. popular surreal elípticos."
" finalmente visitei um site
e dias depois perdi a mão"
"vc tava com uma voz
de travesti de orelhão público"
"conta de luz
fiz m gato
na inauguração de meu site pornô"
"conta de água
fiz um cardume
na inauguração
do meu site religioso"
"ou
todo fofoqueiro
é uma xerox de palavras"
"tenho medo de gente
que só sabe contar piada"
Mas há alguns que se encorpam mais e se apresentam de outro modo, assumindo ali uma voz mais identificada:
"quando eu cabia
debaixo do sofá da casa da minha mãe
entre o pó eu chorava
eu cabia lá
lá eu sabia chorar
lá onde eu cabia"
Apreciei muito um trecho no qual a percepção de Éber afina uma preocupação social e real:
"quando descobriram que o maracanã
igreja não cabendo uma viva alma
nenhuma formiguinha
inventaram a avenida rio branco, barcas;
ônibus e a cidade de deus"
"quando descobriram que o maracanã
igreja; avenida rio branco; barcas; ônibus
e a cidade de deus
não cabiam vivas almas
nenhuma formiguinha
inventaram os presídios
as penitenciárias"
"mas ainda não foi descoberto
que o presídio; avenida rio branco;
barcas; ônibus; maracanã igreja
e a penitenciária
são cidades de deuses e não de formigas"
O barato desse mosaico, talvez seja em encontrar aforismos que se casem, que se encontrem na composição de algumas cores similares, um tom sobre tom... Eu leio assim e assado esse jornal bem bacana . Por isso agradeço e sugiro a leitura dos poemas de Éber Inácio.
2 comentários:
que legal, flavio! e que bom conhecer o teu blog. vou virar frequentador. abração
Olá Wilson !!! Seja muito bem-vindo!
abraços.
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