terça-feira, 3 de agosto de 2010

Na cama

É domingo de tarde, dia de pasmaceira e estou sentado na cama e pela janela entra a luminosidade de um sol castanho descascado que se esparrama suavemente no taco do quarto. Este mesmo sol reluz as folhas de um pequeno jardim suspenso do vizinho. Inspiro e expiro lentamente: uma, duas, três vezes e me digo: estou na minha casa, estou na minha cama, esta cama é minha. Apalpo e agarro o lençol, os travesseiros. Por entre meus dedos, o ranger do algodão do lençol me causa pequeno arrepio. Subitamente uma voz vacila amiúde em mim. Não se trata de uma voz desconhecida, pelo contrário, há tempos que a conheço, embora, desta vez, ela estivesse assim débil demais, porém viva, sim... ela estava rondando por ali, procurando estrilar algum eco no meu cérebro. A semitonante aos poucos tomou forma e ganhou sintaxe, eu já a ouvia nítido e claro, como um anúncio de um pleito consumado, no qual, é claro, o derrotado fora eu. Agora aquela nitidez, aquele zumbido me incomodava assustadoramente, tomou o vulto de um estrondo seguido de diversos cânticos moribundos e então era eu novamente o estranho, o perplexo, o inadequado, aquele que nunca consegue achar o caminho de volta, o que cruzou a linha. E este sentir, este pesar me circunspecta, por mais que eu esforce ou me descabele para parar a voz que relincha na minha cama. Palavras! fluem palavras desta voz: palavras, frases, palavras. E assim, escutando esta voz, já nem me dou conta do meu corpo, do meu cansaço na sétima vértebra, da dolorosidade do calcanhar, assim vou semicerrando a vida, deixo para o vazio a voz, pois é de lá que ela viceja seus silvos, já inconsciente me despeço do castanho do sol e, finalmente, o sono me embarca em mais um sonho atribulado, cheio de vozes, cheio de vozes.

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