domingo, 23 de fevereiro de 2014

o Homem cego lê o jornal.

É noite de sono espesso,
de decretos, de prisões,
e de palmadinhas bem batidas 

nas costas do delegado. .

É noite de bocas amordaçadas,
foguetes e bombas e gás.
O homem nu é suprimido,
o homem cego lê o jornal,
o homem crédulo vota,
o homem sorridente conta as notas.

É noite de tecer poemas em Guantánamo
e ver na televisão a novela das 9:00
e sonhar com os latidos de um cão.
A mulher diz que temos democracia,
o homem diz que faltam prisão para os presos,
o homem diz que os macumbeiros não prestam
e que os viados são doentes.
O homem cego lê o jornal.
O homem crédula vota.
O homem maquina as parcelas do carro econômico.

É noite de sono espesso,
mas todos pareciam acordados,
luzes acesas, rezas, modas vegetarianas,
cruzeiros na baía,
ossos escavados no porto,
os helicópteros viajando
para lá para cá para lá
bitucas de cigarro, tesouras e pau de arara
e o homem cego tudo crê no jornal.

É tarde, adormecida a utopia,
a hora triste do murcho ronco,
o eco do martelo na mesa,
a rosa fora da encruzilhada
é presa na lapela do homem
que escreve o editorial:
o poeta é o assassino!
E o homem cego lê o jornal.

Flávio Corrêa de Mello.

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