terça-feira, 28 de setembro de 2010

Antônio Maria e Dolores Duran na voz de Paulo Gracindo e Clara Nunes in Brasileiro Profissão Esperança (Paulo Pontes)

“Me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins — isto é: os que comem cebola crua; me ensine tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore, a valsar; e me lembre do que eu esqueci — raiz quadrada, frações, latim, geofísica e “Navio Negreiro”, de Castro Alves; depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano… carinho — de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve; destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá… agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação; lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: “comment allez vous”? de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert; está vendo o retrato dos meus 20 anos? de lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: não saia esta noite e fique comigo, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja…”




"Amanhece em Copacabana, e estamos todos cansados.Todos, no mesmo banco de praia. Todos, que somos eu, meus olhos, meus braços e minhas pernas, meu pensamento e minha vontade. As pessoas e as coisas começam a movimentar-se. A moça feia, O homem de roupão, que desce à praia e faz ginástica sueca, o bêbado que vem caminhando com a lapela suja de sangue, ônibus de colegiais e, lá dentro os nossos filhos com cara de sono. As pessoas e as coisas começam a movimentar-se. O banhista gordo e de pernas brancas vai ao mar cedinho porque as pessoas de manhã são poucas e enfrentam sem receio seu aspecto. Um automóvel deixou uma mulher à porta do prédio de apartamentos.Todas as ordens foram traídas, todas as promessas foram desfeitas, Aqui sentado neste banco de praia eu sou um vegetal!
Estou reduzido aos meus instintos, estou preso aos meus sentidos, pouco a pouco foram reduzindo meu direito à minha humanidade. Tiraram meu semelhante de junto de mim, limitaram o uso do meu cérebro às operações mais simples, arrancaram a minha carta de cidadania, extinguiram a minha capacidade de influir,
diminuíram o meu cérebro, dissolveram minha consciência. Agora, eu apenas faço parte da paisagem quase morta. Sou uma planta encostada aqui neste banco de praia. Quando haverá outro dia esperança, quando?
Já começo a sentir cansaço, depois vem o desgosto, depois o desespero de tudo isto."



3 comentários:

Anônimo disse...

ei flavim, to te seguindo, comecei finalmente o meu blog também, dá um pulo lá pra ver! E me adiciona no seu! ainda sou bebê por aqui...
http://renatadiasmaciel.blogspot.com

Flávio Corrêa de Mello disse...

OI Rê que bacana, espero que curta esse meu espaço por aqui. Vamos nos falando, tá?
bjs

Jandira disse...

Este foi um dos melhores espetáculos da minha época. Nele tinha o Cântido Negro, do Zé Régio, na voz do Pulo Gracindo.