sábado, 8 de agosto de 2009

Nascedouro

Nasce na chuva,
na curva, no esterno,
é um regato, uma fonte,
uma goteira que nasce
quando engasga,
cinge a glote e cerra os dentes
sem vida e sem beira
─ mesa de bilhar sem caçapa.

Nasce e finda visgo,
é um desvio que pegamos,
eu e você, sem vermos o fígado,
o rim, o pulmão, as cáries,
sem vermos nada,
cheiros ou sobremesas.

Mas assim nasce, e depois,
depois desanda e desanca
em outro lago que nasce,
nasce e empurra,
afunda e desembrulha
como um doce vômito
emergido de uma bolha
dupla de sentido
e de sentir para aquém
e para além do rio.

5 comentários:

Anônimo disse...

O texto, de tão denso e verdadeiro, inibe até o comentário.

O exercício além de poético, é também o de sobreviver.

Palavra em Fuga disse...

Flavio,

Adorei a o recurso metalinguístico de encontrar mais rio dentro do seu rio, num labirinto de águas e fluência literária.

Abraço da Roberta

Eloise Porto disse...

A imagem final fechou certeira... e perfeitamente.

Beijos

Flávio Corrêa de Mello disse...

Meninas,
vcs são d+

ainda vêm outros poemas por aí, a fábrica não pára, não pára

Unknown disse...

Processo, sou fascinada pelos processos de um modo geral. A sensibilidade da observação deste processo, que cabe em tantos outros, posta assim em palavras tão precisas, seguindo-se fluidas, trouxeram para mim as várias imagens das muitas nascentes que já vi escorrerem pelas superfícies mais diversas. Inclusive a do choro, que chorar parece bem com isso tudo que você descreveu. Lindo!

Elis Barbosa