segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Precipício

No assoalho do chão encerado o corpo se arrasta deixando um rastro líquido. Escorregou até a ínfima inoperância de não saber o que estava acontecendo, aliás, nada acontecia, apenas o giro esquisito que o consumava numa hora também esquisita de um dia que já havia nascido esquivo. Nomes e vultos possivelmente arredondam a dor que rebate no canto da nuca. Desmemórias de um corpo centenário, repleto de bactérias. Cada vez mais o gosto do sangue coagulado e da carne flácida, pegajosa. E o corpo está quase morto, quase plano e rasteiro, quase uma turva mancha seivada de líquidos e cheiros. O assoalho rangendo a busca de crostas. Decalques nos calcanhares e chupadas de chuva de granizos arranham essa voz abafada no castanho metileno dos meus olhos. Olhos águia. Olhos nevoeiro. Um diante do outro. O mesmo sombreado carcomido de nossa insólita esperança de renascermos, ele antes de mim, exala já a aura mórbida e toca com a ponta dos dedos a borda do novo, enquanto ainda me sufoco em beiras de precipícios.

Um comentário:

Cláudia Magalhães disse...

Lindo, Flávio!

Repleto de imagens o teu precipício...

Belo texto, Parabéns!

Grande abraço.