quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O Olhar na janela

Acordo vazio. Há tempos que se repete a mesma sensação de merda, de lesma. O gosto ainda na garganta, preso. Gosto de corrimão ou guarda-chuva, como dizem. E a náusea que vai eclodir numa diarréia líquida daqui a pouco. Ficar chapado na janela. Fumar cigarros. Olhar a janela da casa em frente. Olhar a enfermeira trocando rapidamente o soro do velho na janela da casa em frente. A enfermeira saindo do quarto. O olho dele no meu olho. O meu vazio no vazio dele. Há algumas barbatanas que escorrem pelas orelhas do velho. A pele descamada. Insossa. O tom pastel creme carcomido de nossa insólita esperança de renascermos. Mas ele antes de mim, já exala a aura mórbida e toca com a ponta dos dedos a borda do novo, enquanto ainda me sufoco em beiras de precipícios. Vida precipício. Hilda não trás o chá. Hilda não veio. Ana ainda espera os últimos navios, debruçada na janela ao lado da casa do velho. Jorge telefona. O poema acabou. Diz que se encontrará com as medusas. Diz ainda que o céu no fundo do mar é muito escuro e que posso recortar algumas palavras dele. O olho do velho no meu olho. O olho fechando. O cigarro queimando. O velho cai. No assoalho do chão, o corpo dele se arrasta deixando um rastro líquido. Escorregou até a inoperância de não saber o que estava acontecendo, aliás, nada acontecia, apenas o giro esquisito que o consumava numa hora também esquisita de um dia que já havia nascido esquivo. Nomes e vultos possivelmente arredondam a dor que o rebate no canto da nuca. Nomes e vulvas. Desmemórias de um corpo centenário, repleto de bactérias. Cada vez mais o gosto do sangue coagulado e da carne flácida, pegajosa. E o corpo quase morto, quase plano e rasteiro, quase uma turva mancha seivada de líquidos e cheiros. O assoalho range. Eu na janela em busca de crostas no assoalho. Decalques nos calcanhares e chupadas de chuva de granizos me arranhando. Voz abafada no castanho metileno dos meus olhos. Olhos nevoeiro. Ana saiu da janela. O navio provavelmente não veio. Para aquela imagem não requer espelhos. O velho se arrasta até a cama, coça fístulas e pipocas por todo corpo. Meu olhar. Não sentir. Esvaziar. Acabar o cigarro.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

AS RUAS DE GAZA

Um olhar nasce profundo no subterrâneo das ruas da faixa de Gaza. Cinzas de fósforo cheias de amargor no canto da boca. Salivas de pó e de ossos, cravejadas de chumbo. Olhar negro e oblíquo, porém disforme. Escombros e restos de munições deixados para trás. Ali, no chão, há um irrigamento contínuo de sangue. A terra de árida passa a ser sulcada por filetes vermelhos. Estes filetes, estes fios navalham a alma do mundo. Reclamam por cuidado e por amor e não são frieiras que se instalam entre os dedos. Não são parasitas, não, definitivamente não. São almas raivosas e sanguinolentas. É o estertor emprenhado de gritos guturais e de sussurros, de vozes escorregadias, arranhadas, e de meneios.

Quem será capaz de amar agora com essa terra que se nutre de sangue putrefato, quem?
Quais filhos nascerão desses casais cujo pai não tem uma perna ou um olho, apenas rancor e cuja mãe desvanece a cor do osso queimado?

Agora nas casas de Gaza (do que restou, do que ainda ficou enraizado: seja uma pilastra intacta ou um vergalhão de concreto), nas cidades de Gaza, Khan Yunis, Rafah e e Dayr al Balah, a sobrevida e o desvio sofrem. Estão irmanados de desorientação. Os rebocos calcinados são as feridas expostas. Os jardins destruídos, cultivados com vapores de fé, se desfolharam e nem mesmo dos caules escorre alguma seiva de vida e toda uma tristeza envolve aquela faixa de terra.

domingo, 18 de janeiro de 2009

CRIANÇAS E HOLOCAUSTO

Há alguns dias postei o texto Crianças Palestinas. Recebi duas críticas sobre o texto de dois colegas de trabalho. Uma delas refere-se sobre a relação hipócrita ao enunciarmos a questão da morte das crianças na palestina (meu colega apontou isso como um fato mais geral), já que aqui temos milhares de problemas relacionados à infância e à juventude. Ainda, a imprensa enfatiza somente acontecimentos na faixa de Gaza, também existem guerras civis que ocasionam mortes em outros países, caso muito específico das guerras no continente africano. Outra crítica foi sobre se constitui-se historicamente na Palestina um caso de Holocausto. Neste aspecto, o que se leva em conta é o conceito aplicado ao caso dos judeus e dos armênios, por exemplo.

O que me leva a escrever textos como Crianças Palestinas está associado a um não calar-se perante os acontecimentos. É um exercício de sobrevivência. Diametralmente, talvez os fatos de jogarem bombas no quintal alheio não me choque tanto. Configura-se predicado para morar no Rio de Janeiro um auto-exercício de conviver com a violência social, com o desrespeito a vida, com a corrupção latente e escancarada. Este predicado não é válido somente para o Rio, também para outros citadinos das outras grandes metrópoles brasileiras há que se ter a mesma capacidade abstrativa que nos lega o involuntário ato de relevar e seguir adiante. Fato que atesta o estágio pernicioso a que nos levou o capitalismo: a pré-barbárie. Aliás, uma coisa não substitui a outra ou como diria minha mãe: "Um tomate não substitui a cebola". É preciso, então, analisar os dois processos como complementos da inexorável falha do nosso savoir faire, o saber viver.

Os dados deste jogo são jogados em um tabuleiro muito raso cujas bordas não existem e o risco de nem sabermos os números finais são inúmeros, pois a desmedida das ações do governo israelense o desloca para um terreno extremamente antípatico perante a opinião pública e para a opinião mediana, além de valorizar a existência do anti-semitismo. Se temos um pouco de conhecimento é muito difícil conceber o Hamas como um grupo meramente terrorista que lança foguetes a esmo. O Hamas obteve nas últimas eleições um apoio de 76% da população da faixa de Gaza, justamente por se apresentar como uma voz (mesmo que rouca) aos atos de fechamento de sua fronteira. A penúria existente em Gaza é anterior aos ataques feitos pelos palestinos à Israel. Será que os atos agressivos contínuos, o asfixiamento imposto à Gaza, a falta de lazer, do direito de ir e vir, a falta de água, o encolhimento homeopático de suas terras, será que por esse conjunto de fatores, por si só, já não podemos comparar a situação palestina ao gueto de Varsóvia?

domingo, 11 de janeiro de 2009

CRIANÇAS PALESTINAS

Assisto no You Tube os ossos esmaecidos de uma criança tornarem-se cada vez mais vermelhos por conta do fósforo empregado durante os bombardeios. Por um instante, imaginei aquela criança correndo atrás de bolinhas de gude de várias cores, brincando de pique esconde ou de pique-tá, como uma criança qualquer, embora há muito naquele estreito, naquela faixa não há crianças com sorrisos alvos, brincalhonas, despreocupadas. Nem as crianças de hoje, nem as de duas ou quatro décadas. O que existe por lá são sombras e gases, espécie de sobrevida que me faz sentir, agora, as crianças fugindo das bolas de sangue que sobrevoam os ares da faixa, da nossa faixa. Sim, nossa faixa, posto o que me resta é a impotência de assistir o novo holocausto e tentar me solidarizar com breves textos contra o que mais deploro, a covardia.

Li uma frase de Shimon publicada no jornal de hoje, ele dizia: "Muitas crianças palestinas estão morrendo. E quase nenhuma criança israelense foi morta. Por quê? Porque cuidamos das nossas crianças". Este mesmo Shimon foi premiado com o Nobel da Paz. Nele, vejo somente a paz das bombas, das flores de Hiroshima que insistem em permanecer nos corações insuflados, tomados de um ódio infundado. Nele, vejo somente a paz neurótica de alguém que por ser de um povo que muito sofreu com o Holocausto, pratica sem escrúpulos um morticínio que muito se assemelha ao sofrido outrora. De modo que os israelenses aparentam precisar do Holocausto para se justificar em qualquer ato em nome de seus interesses. É uma ferida que nunca sara de um povo pretensiosamente eleito para governar o mundo ou pelo menos a extensão daquela faixa menor que o estado do Rio de Janeiro.

Parafraseando José Saramago: David agora é Golias. Risca os céus com aviões e tanques, com sua ação pacificadora de metal. David agora não é o rei alegre, músico e amante do vinho. É sim, na verdade, um braço extensivo de um império que se assume como a polícia do mundo, a polícia do petróleo, das matérias primas exauridas. Alías, por onde andam as armas bioquímicas que até hoje não foram encontradas no Iraque? Ainda, David é um Golias visivelmente sórdido e covarde, pois se auto-proclama oprimido e atacado por um povo que tem de lançar como último recurso de sobrevivência o martírio, o suicídio. Como há de se comparar forças assim tão desproporcionais?
Não resta dúvidas, se nada for feito na tentativa de acabar com este morticínio deplorável, com essa situação infernal, as crianças israelenses brincarão de bolinhas de gude pelas praias do mediterrâneo com olhos, dentes e pedaços de unhas do que restará do povo palestino. E essas mesmas crianças terão a mancha de sangue na ponta de seus dedos, uma herança terrível, um fardo que será cobrado em cada olhar estrangeiro, não somente no olhar árabe. É o que o povo alemão sentiu por muito tempo e que agora, parece, respirar aliviado, já que encontrou um substituto ideal no hall das atrocidades humanas.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Mais uma dica do blog!




O evento ZONAS DE EXCLUSÃO: OUTROS SUBÚRBIOS, idealizado pela Confraria do Vento, será um encontro de escritores e pensadores que terá como foco a discussão e a proposta de novos olhares sobre a produção cultural e literária do subúrbio, através do questionamento de como ela é vista e como se vê perante preconceitos, estereotipagens e outras exclusões. Este encontro será realizado no próprio subúrbio, na biblioteca municipal de Irajá − bairro onde foi fundada a Confraria do Vento −, em um intuito de deslocar a discussão de onde ela comumente se dá, em meio a diversos tipos de afastamento, e levá-la para o espaço que a originou.
PROGRAMAÇÃO A CIDADE INVISÍVEL:
O SUBÚRBIO FORA DOS DETERMINISMOS 13h30 Paulo Lins Paulo Scott Marcelo Moutinho Berimba de Jesus
Mediador: Clóvis BulcãoCOQUETEL 15h30O FIM DA FRONTEIRA:
PROPOSTAS PARA UM SUBÚRBIO ALÉM DO SUBÚRBIO 16h00 Joel Rufino dos Santos João Carlos Rodrigues Julio Ludemir Paulo Roberto Tonani do Patrocínio

Mediador: Victor PaesENCERRAMENTO 18h00

10 de janeiro − sábado

Biblioteca Municipal de Irajá
Av. Monsenhor Félix, 512 − IrajáTel: 3351-4389
(em frente à saída da estação do metrô Irajá)

BOCA DE BACO - EVENTO LITERÁRIO





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Evento literário vai movimentar cena cultural carioca

Primeira edição do Boca de Baco contará com oficina de Marcelino Freire
e palco para a livre manifestação artística

Os sábados não serão mais os mesmos na Cinelândia. A partir de 17 de janeiro, a Safo Produções Literárias apresenta o Boca de Baco na Livraria Odeon, localizada no mezanino do Cinema Odeon Petrobras. O evento reúne literatura, oficina, lançamentos de livros e revistas, troca de experiências e ainda é um espaço em que a livre manifestação artística é permitida e incentivada. As inscrições para a oficina já estão abertas. O investimento é de R$ 70. A entrada é gratuita para as demais atividades do dia. Os próximos encontros serão nos dias 24 e 31de janeiro e 07 e 14 de fevereiro.

Na primeira edição do Boca de Baco, o escritor pernambucano e vencedor do Jabuti de Literatura, Marcelino Freire, coordenará uma oficina de produção literária. Após o encontro, será aberto um palco para todo tipo de manifestação artística. Com decoração irreverente, o espaço abrigará um karaokê em que o gongo estará a postos. Os mais tímidos serão encorajados com uma dose de cachaça “por conta da casa”. Artistas e agitadores culturais serão convidados, além de DJs que animarão a pista.

“A idéia é despir a roupagem careta que reveste esse tipo de evento e apresentá-lo de forma inovadora e divertida. Diversão é a palavra-chave. O Boca de Baco, como o nome diz, é uma apresentação dionisíaca, menos bela e mais divertida, sem deixar de ser consistente e ter conteúdo. Os debates, encontros e oficinas apresentam temas inovadores e formas diferentes de pensá-los. À noite, o palco aberto, a cachaça e o gongo complementam a estética de Baco.”, explica Ana Maria Bonjour, sócia da Safo Produções Literárias, produtora do evento, ao lado de Carolina Benjamin. Ambas dirigem a Livraria Odeon há mais de um ano.
Na oficina chamada de Narrativas Breves – e Outras nem Tanto, o autor de "Contos Negreiros" (Record) trabalha com os participantes técnicas narrativas e dá dicas de como "enxugar" o texto, melhor preparar um livro, além de outros macetes. Freire ressalta que a sua oficina é, sobretudo, uma ótima oportunidade do participante colocar o seu talento à prova e direcionar melhor o seu projeto literário. "Todo o trabalho é feito, principalmente, em cima dos textos apresentados pelos interessados. Fazemos alguns exercícios e discutimos, juntos, o trabalho de cada um", diz o escritor.

A oficina contará com a participação especial de Lirinha, cantor e compositor do grupo Cordel do Fogo Encantado que acaba de lançar o romance "Mercadorias e Futuro" (Ateliê Editorial). O livro deu origem ao espetáculo homônimo, que o artista apresentará na cidade. O público participará de um bate-papo com os dois autores. Outro destaque será o lançamento de Ravenala, do poeta Horácio Costa. O livro de poemas é oitavo de sua autoria editado no Brasil.
Destinada a estudantes, professores, aos amantes da literatura, e também a aspirantes a escritores e poetas, a oficina já foi realizada em várias capitais do Brasil. Marcelino Freire é um dos principais nomes da nova geração de escritores e foi o responsável pela organização de "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê Editorial). O livro reúne escritores como Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles, Manoel de Barros e Millôr Fernandes em contos inéditos de até 50 LETRAS.

Sobre a Livraria Odeon:

A Livraria Odeon é uma livraria de cultura especializada em cinema. Estrategicamente recolhida no mezanino do Cinema Odeon Petrobras, concentra os 25m² quadrados mais acolhedores da Cinelândia. Seu catálogo é selecionado pelo recorte da boa leitura. As estantes concentram tesouros organizados nas seguintes sessões: cinema, teatro, filosofia, literatura, arte (teoria / crítica), música e quadrinhos. Um cantinho reservado às crianças completa o acervo. O critério na seleção das obras fica a cargo da Safo Produções Literárias. Regalos habitam cada prateleira, móvel, gaveta - cada plano em que o olhar atinge: boa música em CDs e DVDs; presentes incríveis em objetos e balangandãs de todos os tipos; além de, é claro, livros, muitos livros.

O espaço é compartilhado com o delicioso restaurante Ateliê Culinário, num ambiente confortável com rede de internet aberta e gratuita. Terreno fértil para lançamentos e diferentes eventos literários, a Livraria Odeon está aberta para agradáveis encontros.



Serviço:


Oficina: NARRATIVAS BREVES - E OUTRAS NEM TANTOCom: MARCELINO FREIREParticipação Especial: LIRINHAHorário: 10hValor: R$ 70Lotação Máxima: 25 VAGAS.
Local: Livraria Odeon. Praça Floriano, 7 (mezanino do Cinema Odeon Petrobras). Cinelândia, Centro, RJ.
Informações:
contato@livrariaodeon.com.br / 8763-0157 (Ana Maria)
Produção: Safo Produções Literárias
As inscrições poderão ser feitas na própria livraria ou através de depósito bancário.
As vagas podem ser reservadas pelo email
contato@livrariaodeon.com.br.

Mais informações:

Leonardo Figueiredo
Safo Produções Literárias
Assessoria de Imprensa
Tel: (21) 9648-0282
imprensa@livrariaodeon.com.br

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

ENTREVISTA - FRANCISCO PEREIRA

Caros leitores, o mês de Dezembro foi de grandes mudanças para mim. E por conta disso tive de me ausentar das postagens mais cotidianas. Ainda assim procuro me antenar para o que está acontecendo no universo literário. Este postagem é para inaugurar bem o ano, trata-se de uma entrevista com Francisco Pereira, da Editora Reflexiva.

Em outubro do ano passado ocorreu mais uma vez a tradicional feira de livros da cidade alemã de Frankfurt. Nela, em uma bela jogada de marketing e planejamento, o editor Francisco Pereira lançou a Editora Reflexiva. Francisco mora em Vitória e mesmo fora do eixo editorial Rio-São Paulo, aposta em idéias inovadoras para entrar no mercado. Com aplicabilidade e conceitos empreendedores, Francisco prova que poesia também se vende. Em Frankfurt, ele lançou Escrevo, o primeiro título de sua editora. Talvez só a idéia de lançar uma editora brasileira lá fora, fato por si só inédito, já alavancasse a circulação de escrevo, mas indo mais além, a Reflexiva foi uma das sensações da feira.

Escrevo é peculiar. Trata-se de um livro de um único poema escrito apenas com dezesseis palavras que se alternam durante as páginas, criando assim, inúmeras frases poéticas que propõem as seguintes reflexões: O que me leva A escrever / A que me leva O escrever. A partir desse binômio a estrutura poética se divide numa perspectiva infinita com diversas respostas para as duas proposições, sempre com as dezesseis palavras.

O livro é de Gonçalves de Lima, poeta natural de Crato no Ceará. Assim está no fim do livro. Mas na verdade o autor do livro é o próprio editor, fato revelado após a entrevista que fizemos por email. Não mexi nem modifiquei a entrevista a partir do fato novo. Pois, isso, no meu modo de ver é assunto para uma nova entrevista.




1 - Francisco, como e quando a idéia da editora Reflexiva foi amadurecendo?

A idéia da editora surgiu quase ao mesmo tempo da idéia de ir a Frankfurt. A participação na Feira de Frankfurt, com a conseqüente venda dos direitos do livro, iria viabilizar a editora (que nasceu depois do livro). Ainda que não fossem vendidos muitos exemplares no Brasil, acreditei que daria pra vender (pelo menos) “um pouco” em vários países e línguas diferentes. Afinal o trabalho é original e fácil de traduzir.



2 - E quais são as perspectivas (linhas editoriais) que a editora pretende trabalhar?

Por algum tempo, seremos uma editora de um único livro. Quero ver até onde esse livrinho pode ir. Não quero falar ainda sobre os meus planos. Ia parecer louco e/ou pretensioso. O mesmo que alguns pensaram antes da minha ida a Frankfurt, mas não os critico por isso. Quem acreditaria numa editora iniciante em Frankfurt, com um único livro, e que ainda nem foi publicado?

3 - O primeiro livro da Editora, o Escrevo, de Gonçalves de Lima, foi lançado com muito sucesso na feira de livros de Frankfurt, uma das mais importantes do mercado literário. O que te levou a lançar o livro lá fora, por que não aqui?

O estigma de que autor brasileiro não vende lá fora, principalmente se for estreante e desconhecido, era um desafio e tanto. Eu apostei na universalidade da obra. Queria testar a reação de leitores de diferentes culturas diante de um livro inédito. Cada visitante do estande se sentia o primeiro leitor. “Unbelievable!”. Talvez tenha sido essa a expressão que mais ouvi durante a Feira. Mesmo sabendo que o livro ainda não havia sido publicado no Brasil, alguns publishers estrangeiros queriam fechar o contrato imediatamente.


4 - Escrevo é um livro de poemas e que trata do ato de escrever, o que te leva a apostar na poesia, já que há uma aura no mercado livreiro que afirma que poesia não vende?

Vender “o que não vende” torna o desafio mais interessante. Mas não é só poesia que não vende. A maioria dos livros publicados também não vende muito. Pouquíssimos livros de poesia alcançaram grandes tiragens e eu enxergava a possibilidade de ser mais um a superar essa barreira. Na verdade eu não apostei na poesia. Apostei neste livro, que pode ser considerado um único poema.

5 - Como os originais de Escrevo chegaram em suas mãos?

A história do livro e da editora é cheia de acasos e mistérios. Vai render... um livro.
Alguns amigos do autor (nenhum deles do meio editorial) tiveram acesso aos originais. A maioria não deu importância. Eu achei interessante, mas imaginei que alguém já tivesse escrito algo parecido. Fiz uma pesquisa inicial na internet sobre “poesias permutatórias” e, pra minha surpresa, não consegui encontrar algum texto longo usando tão poucas palavras.
Drummond, por exemplo, usou vinte palavras no célebre poema (de dez versos) “No meio do caminho”. Continuei a pesquisa em livrarias e bibliotecas e vi que se tratava de um trabalho original. A dúvida era: será que vende?