segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

AS RUAS DE GAZA

Um olhar nasce profundo no subterrâneo das ruas da faixa de Gaza. Cinzas de fósforo cheias de amargor no canto da boca. Salivas de pó e de ossos, cravejadas de chumbo. Olhar negro e oblíquo, porém disforme. Escombros e restos de munições deixados para trás. Ali, no chão, há um irrigamento contínuo de sangue. A terra de árida passa a ser sulcada por filetes vermelhos. Estes filetes, estes fios navalham a alma do mundo. Reclamam por cuidado e por amor e não são frieiras que se instalam entre os dedos. Não são parasitas, não, definitivamente não. São almas raivosas e sanguinolentas. É o estertor emprenhado de gritos guturais e de sussurros, de vozes escorregadias, arranhadas, e de meneios.

Quem será capaz de amar agora com essa terra que se nutre de sangue putrefato, quem?
Quais filhos nascerão desses casais cujo pai não tem uma perna ou um olho, apenas rancor e cuja mãe desvanece a cor do osso queimado?

Agora nas casas de Gaza (do que restou, do que ainda ficou enraizado: seja uma pilastra intacta ou um vergalhão de concreto), nas cidades de Gaza, Khan Yunis, Rafah e e Dayr al Balah, a sobrevida e o desvio sofrem. Estão irmanados de desorientação. Os rebocos calcinados são as feridas expostas. Os jardins destruídos, cultivados com vapores de fé, se desfolharam e nem mesmo dos caules escorre alguma seiva de vida e toda uma tristeza envolve aquela faixa de terra.

Um comentário:

Moacy Cirne disse...

Belo texto sobre uma realidade bastante dolorosa. Um abraço.