A exposição Rumos da Palavra reúne o trabalho de vinte e uma crianças e jovens da comunidade do Complexo do Morro dos Macacos. Coneçou no dia 20 de Dezembro e ficará até o dia 30 de Janeiro na Biblioteca do SESC Tijuca. Depois, as palavras, versos, textos e impressões dos jovens rumam para o CEACA-VILA, no morro do Macacos, onde ficará durante o mês de janeiro. Aguardamos sua visita!
Portfólio / Curricullum
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Quando o FIM é gente como a gente
Exatos 90 anos se passaram desde
a semana de arte moderna em 1922, durante este intervalo tivemos e temos alguns
outros momentos também ímpares que agitam as límpidas águas das feiras e festas
literárias. Cada um de uma maneira diferente, de um jeito peculiar traz em
evidência o autor e seu produto de criação, a obra. Mas este último sábado e
domingo, tivemos o FIM de Semana do Livro no Porto, realizado no Morro da
Conceição, ele foi único, especial.
O clima de informalidade proposto
pelo FIM através de suas estratégias de popularização da literatura (e aí, vale
o recurso do papo de botequim, da cerveja gelada, da conversa solta... do
cortejo pelo bairro e das diversas oficinas espalhadas pelo morro), este clima é
mais uma iniciativa que se soma aos intentos de disseminar a literatura e criar
outras formas de intervenção cultural. Em uma reportagem, Raphael Vidal, o
idealizador do FIM, afirmou que uma das propostas da festa é a de aproximar o
escritor ao leitor de uma maneira informal, ou seja, de igual para igual, e de
certo modo, essa assertiva deixa claro sobre qual terreno estamos pisando:
incentivar à leitura, desmistificar o escritor e trazê-lo para o lugar comum de
ser mais um citadino, nada além do que isso, ou ainda, de uma maneira mais
poética se assim podemos ousar, passar um pouco de poeira nas togas e nos
galhardetes que revestem a aura sublime das letras.
O fato de um escritor ser cultuado
como quase um ente intocável tem muito a ver com os processos de desigualdades
educacionais e sociais que permeiam o nosso Brasil. O status quo e o conhecimento adquirido pelos letrados não estão ao
alcance de uma população que observa várias dificuldades de letramento e que
não realiza a leitura como o ato de identificação ou contemplação com as
experiências trazidas pelo autor. Assim, durante séculos o escritor escreve
para um público de eleitos, para boa parte da classe média alta, um segmento
social que detém os mecanismos de funcionamento do entretenimento cultural, e
para a classe mais alta ainda, aquela que realmente detém as nossas forças
produtivas. São raros os escritores que possuem identificação com o público em
geral.
Ainda há muita pobreza de leitura
no Brasil. É complicado elencar todos os fatores que contribuem para o número diminuto
de leitores, podemos sinalizar o preço do livro e dos modelos praticados para
sua comercialização, o preço e o custo de se ir a eventos como Bienal e Flip, por
exemplo. Estes eventos são válidos, mas inviáveis do ponto de vista econômico,
já que uma parcela significativa não tem condições de pagar o preço do ingresso
da Bienal ou o estacionamento ou uma passagem e estadia para Paraty. O importante é verificarmos uma vontade
política de mudança. O FIM neste caso talvez faça parte do embrião de série de
eventos diferentes, que promovem a aproximação do leitor e do escritor de
maneira peculiar, não mais os velhos modelos instaurados. É mais ou menos o que
afirmou Marcus Faustini em uma etapa do evento FLUPP PENSA no morro do Borel,
foi uma fala sobre a militância da literatura periférica: “É necessário criar
uma ideia de militância na literatura, porque falar de literatura é tão
importante quanto fazer literatura, pensar lugares de literatura, pois só
escrever não é suficiente para viver de literatura...”. Enquanto início, nós
devemos torcer para que o FIM promova e abarque mais segmentos do meio
literário que não participam nos encontros da agenda oficial da literatura
brasileira, nas principais mesas ou na contemplação de bolsas.
E quando a literatura se
apresenta na informalidade, alocando-se longe de uma esfera empertigada, quando
a assumimos com familiaridade e a trazemos para nosso cotidiano, para nossa
casa e articulamos planos de como melhor abordá-la, divulgá-la e criá-la, podemos
enxergar uma estratégia clara de incentivo ao ato de ler e o de produzir, nada tão
profundo, mas visceral, pois surge uma diversidade de leitores. Isto é um
esforço político, embora seja tão simples como o feijão com arroz, tão simples
como ser filho de pais oriundos do cartão de ponto e da fila de ônibus, gente
do povo, gente como a gente, talvez isso seja a peraltice de Macunaíma ante a
possibilidade de dar uma rasteira no Visconde de Sabugosa ou talvez seja apenas
o Lima Barreto, negro, pobre, marginalizado, sorrindo para o choro que corria
solto no alto do mirante do Valongo durante o sábado do FIM, dizendo: É isto! (não
é nada à toa que Lima Barreto é um dos escritores mais lembrados por Raphael
Vidal). Que este evento se some ao surgimento de outros eventos em outras áreas
do Rio de Janeiro e do Brasil e que não destoe de sua característica principal,
a informalidade, é no fundo o que desejamos.
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
FIM DE SEMANA DO LIVRO - MORRO DA CONCEIÇÃO
Lançamento do livro Porto do Rio do Início ao Fim, que conta com a participação dos escritores Júlio Silveira, Leandro Jardim, Marcelo Moutinho, Marco Simas, Mariel Reis, Ramon Mello, Raphael Vidal, Vinícius Jatobá e Zeh Gustavo.
Contamos com sua presença!!
Hoje 19/10/2012 no Imaculada bar - Morro da Conceição | RJ. 19hs
Este lançamento será a abertura do Fim de Semana do livro no morro da Conceição
Contamos com sua presença!!
Hoje 19/10/2012 no Imaculada bar - Morro da Conceição | RJ. 19hs
Este lançamento será a abertura do Fim de Semana do livro no morro da Conceição
No domingo ministro uma oficina literária sobre contos! Veja lá no blog do Fim e se inscreva.
sábado, 2 de junho de 2012
William e eu
William Bourroughs
era viciado em inseticida,
naked lunch e suruba em Álger,
ele era verde e definhou sozinho
um terno preto num pequeno quarto de hotel,
os lençóis brancos com a marca de ferro queimado.
Um dia olhei no espelho
e vi as bolas verdes
que me saíam dos olhos
e preferi descer pelo ralo.
Um dia isso quase me matou
e deixei naked lunch
na prateleira das aparências,
me arrumei e fui ao clube.
Lá, eu almocei e meus olhos
incandesceram os olhos
de todos Williams da rota 66,
blue label, total harmony in taste,
e todas as histórias que ouvi
são meus planos de arquiteto de ilusão.
E alguns menos falidos,
meus amigos, uma rede de vivos,
me contam como deixar o riscado de criança
e a ser bronze esculpido,
não em pó de insetida,
mas na compreensão
que depois da lua vem o sol
e do sol vem a lua
e apenas isso se repete
diariamente no abraço
e beijo que trocamos, nus,
almoçando os pratos da vida.
era viciado em inseticida,
naked lunch e suruba em Álger,
ele era verde e definhou sozinho
um terno preto num pequeno quarto de hotel,
os lençóis brancos com a marca de ferro queimado.
Um dia olhei no espelho
e vi as bolas verdes
que me saíam dos olhos
e preferi descer pelo ralo.
Um dia isso quase me matou
e deixei naked lunch
na prateleira das aparências,
me arrumei e fui ao clube.
Lá, eu almocei e meus olhos
incandesceram os olhos
de todos Williams da rota 66,
blue label, total harmony in taste,
e todas as histórias que ouvi
são meus planos de arquiteto de ilusão.
E alguns menos falidos,
meus amigos, uma rede de vivos,
me contam como deixar o riscado de criança
e a ser bronze esculpido,
não em pó de insetida,
mas na compreensão
que depois da lua vem o sol
e do sol vem a lua
e apenas isso se repete
diariamente no abraço
e beijo que trocamos, nus,
almoçando os pratos da vida.
Sábado de High Way to Hell
Pela manhã o gosto do café.
Sábado lá fora: céu de outono,
vento na janela, o cinzeiro
e o relógio derretendo
os tempos esquecidos.
Arrumo os apetrechos:
pinho sol, água sanitária,
lutra móveis, roupa no varal.
Desembrulho lentamente os ossos,
a junção das vértebras.
E digo, voz alta, semi-tonal:
Isto tudo é meu: o sol
e o sal, o cream-cracker,
as contas, o aluguel.
Um choro de criança piolhenta
não cessa o latido do cachorro
que esgano ontem, hoje, amanhã
é domingo de almoço na Tijuca.
Enquanto isso o pastor que mora embaixo,
no seu cubículo de imprecações,
chora cobre, chora aço,
sofre, blasfema, agoniza
no térreo a bactéria que o corrói.
Não o ouço, o aspirador de pó
vocifera High way to Hell
e bato mais forte a vassoura
espalhando cinzas e pragas.
Rapidamente o sol se põe,
o corpo quente agora dormita,
secam-se as veias,
um banho frio me alivia,
o sábado apenas começou.
Sábado lá fora: céu de outono,
vento na janela, o cinzeiro
e o relógio derretendo
os tempos esquecidos.
Arrumo os apetrechos:
pinho sol, água sanitária,
lutra móveis, roupa no varal.
Desembrulho lentamente os ossos,
a junção das vértebras.
E digo, voz alta, semi-tonal:
Isto tudo é meu: o sol
e o sal, o cream-cracker,
as contas, o aluguel.
Um choro de criança piolhenta
não cessa o latido do cachorro
que esgano ontem, hoje, amanhã
é domingo de almoço na Tijuca.
Enquanto isso o pastor que mora embaixo,
no seu cubículo de imprecações,
chora cobre, chora aço,
sofre, blasfema, agoniza
no térreo a bactéria que o corrói.
Não o ouço, o aspirador de pó
vocifera High way to Hell
e bato mais forte a vassoura
espalhando cinzas e pragas.
Rapidamente o sol se põe,
o corpo quente agora dormita,
secam-se as veias,
um banho frio me alivia,
o sábado apenas começou.
Doctor Jerkyll! nice to meet you too.
O que se tem é um pouco de sal,
um pouco de creme dentifrício
e este poema cheio de sonhos,
resvalado nas asas do sol
quando ele descai no mar
e encera o teu nome
na mesa da cozinha,
reciclando macarrão bolonhesa
para no dia seguinte misturá-lo
com um pouco de realidade.
Assim o silêncio assoma
e há o ronronar das gengivas,
a picada do mosquito,
a cela do vídeo, a carcaça
dos estalos da casa.
Aqui dentro ensaio o genocídio.
desenho passo por passo a lápide,
e acordo o monstro adormecido:
Doctor Jerkyll! nice to meet you
too.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
99 sonetos sacanas e 1 canção de amor
Lançamento de um excelente poeta e sonetista: Henrique Pimenta, blogueiro do Bar do Bardo
Dia 25 de maio.
Dia 25 de maio.
terça-feira, 22 de maio de 2012
Quando Dilma viu Os olhos do Chico.
Chico Buarque não recorda,
passei por ele na praia de Ipanema,
eu mineiriava verdes olhos no dele
com as pedras portuguesas no meio do caminho.
Chico Buarque não lembra,
mas eu era um dos últimos navios
que ele jamais havia navegado.
Mas Chico Buarque lembra
daquele dia em que a Adelaide
quase pulou do sétimo andar,
Julio de longe a olhava,
e um périplo de tesouras gritava:
Pula, pula, pula... Vai!!! Morre.
E eu estava lá sentada diante da tesoura,
da faca, do fio, do porrete,
e era por aqueles olhos que eu vivia:
olhos de verdade, longe de lá
eu ainda fugia do pau de arara,
daquelas mãos que me vedavam os sonhos.
Mas ainda assim eu ventava,
ventava, Chico, esse silvo esganido
que agora, quase trinta anos depois
me chamaram para contar a história
para todos os nossos olhos,
o meu, o seu, os deles,
olhos de verdade.
A última gota de Sangue
Não ouço sua voz
enquanto recito
no canto do meu lábio
Jorge de Lima,
saliva com salsa,
a contradita
que me limita,
assim deixo
que me rendo
uma novela
querendo quiçá
um gosto de pimenta.
O almoço na mesa
me faz falta.
Disse isso para você
quando saiu a roda
da bicicleta e as correntes
se espalharam no aterro
ou no Pau Ferro, não lembro.
São invenções,
não lembro o cigarro
aceso no cinzeiro,
a moeda grifada de Pizarro
é breve verso no papel violeta
agora preso na estante
e que me convida a pendurar
meus pesadelos e a saltitar
na casa em busca
de uma artéria para esta
última gota de sangue.
sábado, 12 de maio de 2012
A pintura
Ainda aquela pintura
nem muito secou
nem muito molhou,
breve, esplêndida
surgiu assim aquarela.
Era seio, era sorriso,
uns dentes maciços,
mais um peixe de espinhos,
uma praça, um banco,
uma mesa e um roseiral.
Lá estou também:
século dezenove.
Luzes e sombras.
Um vitral, um pé direito alto,
lá estou amortecido
olhos vítreos, suspensos,
boquiaberto,
diante daquela altivez,
da mão, do pé,
dela que me aguarda,
branca, macia e fresca,
calma e muda,
plácida, a idealizada.
Flávio Corrêa de Mello
A Mulata
Talvez assim
bem escura, não sei,
mas me salva
assim na mulata
a cor de um infinito
universo de poros
nos quais brilho
cada bolha suada.
É como mergulhar profundo,
cavidades, olhos e feixes.
Você me vem dizendo
quais as flores necessárias,
eu quero cheiro de pele,
de arruda, de santa maria,
de eucalipto e de teu cheiro
mais que tudo apenas
para ser um pouco de barro
e um muito de lama, juntos.
Flávio Corrêa de Mello
bem escura, não sei,
mas me salva
assim na mulata
a cor de um infinito
universo de poros
nos quais brilho
cada bolha suada.
É como mergulhar profundo,
cavidades, olhos e feixes.
Você me vem dizendo
quais as flores necessárias,
eu quero cheiro de pele,
de arruda, de santa maria,
de eucalipto e de teu cheiro
mais que tudo apenas
para ser um pouco de barro
e um muito de lama, juntos.
Flávio Corrêa de Mello
Sexta-Feira
É sexta-feira
e crescem os ruídos lá fora.
Neste cair de noite
me sinto Hitchcock
percustrando no vazio,
não as janelas,
mas as almas dos demônios
que rimam em minha cabeça
insanidades que não quero
e não devo cometer.
Gina está sentada no coreto da praça São Salvador,
e ouve a mais nova sensação da cidade cantar
e bebe goles breves de cerveja no gargalo.
Rosana chamou seu par para dançar um forró em São Cristóvão,
o bate coxa escorre o suor em sua saia
já colada na perna.
A noite está quente,
a lua me morde a nuca,
e minha cabeça rebate, rebate.
Hoje será uma noite da qual me restará
o sábado, o acordar e o agradecer.
O cão rosna,
penso nas antiguidades
da feira da praça XV.
O cão rosna
e sorrio para a atendente das lojas americanas.
O cão rosna um pedaço de pau
para estalar a cabeça de alguém.
Ouço um correr de persianas,
há lá fora uma sombra, espreita,
está no sétimo andar do prédio da frente.
Não a vejo, não, mas ela lá está,
me olha e imagina o que teclo, creio.
Sabe meus hábitos, sabe o que não sei,
o que não vejo nem quando falo contigo,
aqui, nesses versos que se perdem,
nestes demônios que desabafo,
para que estejas, finalmente,
liberta deste poema que sou hoje.
Flávio Corrêa de Mello
e crescem os ruídos lá fora.
Neste cair de noite
me sinto Hitchcock
percustrando no vazio,
não as janelas,
mas as almas dos demônios
que rimam em minha cabeça
insanidades que não quero
e não devo cometer.
Gina está sentada no coreto da praça São Salvador,
e ouve a mais nova sensação da cidade cantar
e bebe goles breves de cerveja no gargalo.
Rosana chamou seu par para dançar um forró em São Cristóvão,
o bate coxa escorre o suor em sua saia
já colada na perna.
A noite está quente,
a lua me morde a nuca,
e minha cabeça rebate, rebate.
Hoje será uma noite da qual me restará
o sábado, o acordar e o agradecer.
O cão rosna,
penso nas antiguidades
da feira da praça XV.
O cão rosna
e sorrio para a atendente das lojas americanas.
O cão rosna um pedaço de pau
para estalar a cabeça de alguém.
Ouço um correr de persianas,
há lá fora uma sombra, espreita,
está no sétimo andar do prédio da frente.
Não a vejo, não, mas ela lá está,
me olha e imagina o que teclo, creio.
Sabe meus hábitos, sabe o que não sei,
o que não vejo nem quando falo contigo,
aqui, nesses versos que se perdem,
nestes demônios que desabafo,
para que estejas, finalmente,
liberta deste poema que sou hoje.
Flávio Corrêa de Mello
Todos, todas
Não sei para quem escrever,
se para ela, se para você.
mas o que importa!
Pela força, me escrevo.
Me sorrateiro desenho
e desdenho do desafio.
Disso não preciso, mas quero:
as pintas do umbigo
e a sola na ponta do calcanhar
para beijar, lamber, rasgar.
Não seria assim o quanto se paga
para escrever livremente?
você deitada e o teclado
deslizando as palavras:
pelo, seio, cheiro, sola,
mordidas, rasgos, silvos,
e depois a cozinha, a sala,
a área, o ralo entupido,
e eu vestido de John Holmes,
e você de copo d'água bem gelada.
As flores já estão lá meu amor,
estão na sacada, estão nos sacos
que embrulhei para guardar
o que é desnecessário:
saber para quem escrever,
não importa, você, ela,
aquele, aquela, somos todos.
FCM
sábado, 5 de maio de 2012
Quarenta
Em breve quarenta
e me saco fora deste sombrio
perdimento de ser, o que ser?
(ainda persiste a pergunta, oras...)
e atrás da porta
não há nada que subentenda
e até a poeira que fabriquei
nestes anos é rala, reles e calva.
Se nos passamos ao longo,
se não houve o tempo de nos tornarmos velhos gambás,
foi porque ainda esquivamos os fiapos.
Em breve quarenta
e as coisas são todas tolas
menos o sol, as árvores,
a água carregada de bitucas
que escorre no ralo,
menos mesmo meu espírito
que me resplandece os olhos.
e me saco fora deste sombrio
perdimento de ser, o que ser?
(ainda persiste a pergunta, oras...)
e atrás da porta
não há nada que subentenda
e até a poeira que fabriquei
nestes anos é rala, reles e calva.
Se nos passamos ao longo,
se não houve o tempo de nos tornarmos velhos gambás,
foi porque ainda esquivamos os fiapos.
Em breve quarenta
e as coisas são todas tolas
menos o sol, as árvores,
a água carregada de bitucas
que escorre no ralo,
menos mesmo meu espírito
que me resplandece os olhos.
Na Janela
Somam-se agora os anos,
os dedos, as agoniase as calosidades deveras
esperam o renascer
de uma esperança.
Não acontece.
A vida segue esgueirada,
traduz-se por uma pequena bromélia
que surdamente teima em me indagar:
"Como poderia ter aparecido aqui
nesta sacada de apartamento, neste mármore
e debaixo desta janela gripada?"
Ainda insisto em passar WD40
nos calos e na janela
enquanto aprecio a tal lua daqui,
arremedo de vista que divido com minha bromélia,
aqui neste final de dia
torcendo para que minha barriga diminua um pouco,
a massageando agora ligeiramente,
agora oleosa e lubrificada.
Flávio Corrêa de Mello
domingo, 8 de abril de 2012
Relâmpagos - Éber Inácio
Há tempos não via um jornal de poesia. Há tempos... Me lembro de alguns jornais que recebia aqui e acolá. Me lembro e ainda vejo na porta do CCBB e dos espaços culturais, na praia, e em alguns lugares do Rio, quando ainda me aventuro a sair de casa. Me lembro de ver os poetas, os jovens poetas vendendo seus zines xerocados, seus poemas de cabelos encaracolados e óculos e chapéus e breves costeletas cerradas. Mas são diferentes estes poetas, tem materiais diferentes também. Bem diferentes desse belo trabalho que recebi quando circulava pela praça São Salvador, dia desses, perfazendo meu itinerário de retorno à casinha.
segunda-feira, 2 de abril de 2012
Nostalgia da forma na poesia contemporânea, por Izacyl Guimarães Ferreira
Nostalgia da forma na poesia contemporânea
Todo gênero de arte procura uma forma própria para expressar-se. Assim a música e a poesia procuram um ritmo, o retorno de um som, uma frequência em busca de um módulo. Sem irmos longe demais, pode-se dizer que é do homem, do animal, de toda a natureza, a necessidade de um padrão. Cor, cheiro, qualquer sentido vivo quer é sua família, seu gênero, seu espelho natural, da raiz ao fruto. Repetir-se é perpetuar-se.
Assim a palavra em suas formas matrizes, do som ao sinal, à escrita, à poesia. Por ser espelho ou recriação ou correção da vida, a arte, mais que ser cópia ou imitação, quer alguma perfeição, como a do círculo, a clareza, quando não seu contrário destrutor de toda identificação, pois a tal ponto se chega pela negação da forma como nos extremos das artes plásticas contemporâneas, na decomposição sonora pós-atonal e, hélas, nesse silêncio gráfico que pretendeu ser poesia, o concretismo.
quarta-feira, 21 de março de 2012
domingo, 18 de março de 2012
TODO - ERICSON PIRES
Todo - Ericson Pires
para N
TODO DIA É LONGO. Todo dia é vermelho. As linhas não
alcançam. O parto corta o meio. Limbo numa fresta. Todo
dia não termina. Todo sol é vermelho. A chuva volta. A chave
abre. A chave fecha. A porta, o caminho, o doce, úmido, vulto.
TODO DIA. Pintas na cara do dia. Encontros. Todo dia volta.
O verão é vermelho. Nada volta. Nada foi. Tudo. TODO. Todo
dia é outro. Instante vermelho. Mesmo mil vezes. Repetido.
Repetindo. De novo outro. Nenhum. Em nenhum. Nenhum
mesmo. Réstia. Restinga. Filtro branco. Fumaça de ônibus
velho. Acelerador de partículas. Todo dia encerra. Teu cabelo
vermelho. Meu mamilo vermelho. Tua unha vermelha. Minha
ponta vermelha. Vermelho são cores. Todas as cores. Todo.
TODO DIA é.
para N
TODO DIA É LONGO. Todo dia é vermelho. As linhas não
alcançam. O parto corta o meio. Limbo numa fresta. Todo
dia não termina. Todo sol é vermelho. A chuva volta. A chave
abre. A chave fecha. A porta, o caminho, o doce, úmido, vulto.
TODO DIA. Pintas na cara do dia. Encontros. Todo dia volta.
O verão é vermelho. Nada volta. Nada foi. Tudo. TODO. Todo
dia é outro. Instante vermelho. Mesmo mil vezes. Repetido.
Repetindo. De novo outro. Nenhum. Em nenhum. Nenhum
mesmo. Réstia. Restinga. Filtro branco. Fumaça de ônibus
velho. Acelerador de partículas. Todo dia encerra. Teu cabelo
vermelho. Meu mamilo vermelho. Tua unha vermelha. Minha
ponta vermelha. Vermelho são cores. Todas as cores. Todo.
TODO DIA é.
sexta-feira, 9 de março de 2012
O marrento
Quem já viu um cachorrinho de olhos esbugalhados, andar marrento e patas arqueadas circulando pelo bairro de Laranjeiras? Ele está temporariamente hospedado em minha casa. O simpático marrento, o romarinho, tem por hábito latir nas madrugadas para qualquer barulho que surja... late mas não morde. Sacode o cotoco do rabo e esbugalha mais os olhos. É muito chato, o sujeito. Se aboletou por aqui e acha que é o dono do mundo (o dono do pedaço) e ai de quem diga o contrário... ele nada se incomoda em rasgar com os dentes qualquer coisa que lhe apeteça: um celular, um chinelo ou o que esteja ao alcance de sua insaciável voracidade da madrugada.
No início até que tentei ser tolerante e educado com o amiguinho, imbuí-me de cordialidade e um espírito paterno de educador. Até dei umas passeadas por aí com ele, tentei lhe ensinar a urinar com uma pata levantada, disse-lhe para fazer cocô na rua, não funcionou... Afinal, a única serventia eram os gracejos das meninas com o marrento:
- Bonitinho, diziam.
- Fofura, esse buldogue!
E então eu me empertigava e discorria um ou dois comentários amáveis a cerca do meu amigo marrento, mas era apenas isso, sem acréscimos.
Como disse a coisa não funcionou... e como ele não é meu, já viu né... por aqui não se cria. Afinal, apesar de ter compaixão por ele não há sinergia capaz de possibilitar uma convivência pacífica entre nós. S eu der bobeira, ele mija na minha cama.
Bem, o marrento está com o dead line estabelecido para ficar por aqui. Vez em quando, dou umas bananas para ele, pois sei que é a alimentação que ele curte. É o que posso fazer no instante. Em junho nos despediremos... sem culpas e sem remorsos, como sempre soube... era temporário. Tudo é temporário.
Bem, o marrento está com o dead line estabelecido para ficar por aqui. Vez em quando, dou umas bananas para ele, pois sei que é a alimentação que ele curte. É o que posso fazer no instante. Em junho nos despediremos... sem culpas e sem remorsos, como sempre soube... era temporário. Tudo é temporário.
segunda-feira, 5 de março de 2012
MARÇO E O MAÇARICO
Hoje, caminhava pelas ruas do bairro de Botafogo. O sol de meio dia e meio realmente havia dito ao que viria. Aliás, assim tem sido nas últimas semanas. Mas hoje, diferente de sábado, por exemplo, dia em que eu marinava minha testa debaixo de uma barraca na praia do Leme, hoje estava terrivelmente quente, calorento.
Na verdade, tanto os sapatos que eu calçava quanto as meias que eu vestia eram pouco apropriadas. E tinha a impressão que meus pés explodiriam em questão de minutos. A camisa grudenta, o jeans roçando as pernas e o sol ali me passando atestado de hipertenso, aquilo tudo era de morrer... não fosse aquele corpo que veio se ondeando em minha direção com o short jeans curtinho e os bolsos internos se prolongando em V nas coxas, repleto de pequenas pedrinhas brilhantes que faiscavam nos meus olhos o sol.
Ali, naquele instante, realizei mais uma elegia pecaminosa sobre a vida, vendo aqueles cabelos longos, negros, aquele top igualmente suarento, a pele luzindo sal. Tudo foi esquecido, tudo. Entendi tudo, entendi o mundo, entendi a beleza e o porquê do poetinha escrever letras para os jovens artistas dos anos 60 em vez de hermetizar em concretudes a ausência da musa, o vazio geométrico e cúbico. Ali fiz as pazes com o chão, chão, chão, com o simples erguer-se diariamente com o pão na manteiga, o café fresco e a leseira das seis horas da manhã. Realizei um poema, o melhor já sentido e vivido, mas não o escrevi. E não morrerei por isso. Na verdade, também vi algo mais profundo: vi o maçarico de março me atingindo em cheio com sua luz cegante no meio dia de uma rua de Botafogo. Era a menina com seus vinte anos de idade, era eu de peito aberto para a vida, era a cidade, o sol, o sol, o sol.
Na verdade, tanto os sapatos que eu calçava quanto as meias que eu vestia eram pouco apropriadas. E tinha a impressão que meus pés explodiriam em questão de minutos. A camisa grudenta, o jeans roçando as pernas e o sol ali me passando atestado de hipertenso, aquilo tudo era de morrer... não fosse aquele corpo que veio se ondeando em minha direção com o short jeans curtinho e os bolsos internos se prolongando em V nas coxas, repleto de pequenas pedrinhas brilhantes que faiscavam nos meus olhos o sol.
Ali, naquele instante, realizei mais uma elegia pecaminosa sobre a vida, vendo aqueles cabelos longos, negros, aquele top igualmente suarento, a pele luzindo sal. Tudo foi esquecido, tudo. Entendi tudo, entendi o mundo, entendi a beleza e o porquê do poetinha escrever letras para os jovens artistas dos anos 60 em vez de hermetizar em concretudes a ausência da musa, o vazio geométrico e cúbico. Ali fiz as pazes com o chão, chão, chão, com o simples erguer-se diariamente com o pão na manteiga, o café fresco e a leseira das seis horas da manhã. Realizei um poema, o melhor já sentido e vivido, mas não o escrevi. E não morrerei por isso. Na verdade, também vi algo mais profundo: vi o maçarico de março me atingindo em cheio com sua luz cegante no meio dia de uma rua de Botafogo. Era a menina com seus vinte anos de idade, era eu de peito aberto para a vida, era a cidade, o sol, o sol, o sol.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Rubra Cartoneira Editorial
Acaba de nascer em Londrina (PR), um projeto editorial super bacana que vem para integrar o movimento de cartoneirismo da América Latina. Trata-se da Rubra Cartoneira, projeto idealizado pela Beatriz Bajo e por Marcelo Ariel. Desejo muita ventura, AXÉ e prosperidade para a Rubra Cartoneira, para que seus caminhos estejam sempre abertos e que possam publicar excelente literatura. Abaixo, algumas fotos que pincei no blog da Cartoneira.
"Editora artesanal, que produz livros por meio da intervenção no material que seria descartado para criar objetos artísticos, com isso, contribuir com a divulgação de escritores e tradutores de todos os gêneros, privilegiando os contemporâneos, bem como artistas plásticos e artesãos no sentido de descentralizar o mercado artístico e editorial, como o objetivo de promover alguma ou outra fonte de renda a esses personagens inéditos (ou não) no cenário literário e, sobretudo, disseminar a literatura, com enfoque plástico e ecológico com maior liberdade e democracia, culminando com um projeto que alia talento, preocupação social e, principalmente humanista."
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Amanhã quando abrir os olhos eu saberei o dia de amanhã.
Não, não me chame hoje.
Não diga meu nome, me esconda,
por favor, e jogue a chave fora,
sim... puxe o sinal do ônibus,
me faça descer, por favor,
para única e exclusivamente me ver,
me ver, me saber o sal no céu da boca
me saber dizendo não e somente sim
e quem sabe talvez você e eu
sobrevivêssemos a nós.
Não foi dessa vez, não foi.
Por isso acenda esse cigarro longe,
por favor, agora chega,
desapareça, suma daqui.
A aspirina me cheira a náusea,
já viu esse cisto no crânio
na foto de iodo?
Pois não... muito prazer,
não lamento, só o hoje vou viver.
Amanhã, quem sabe, amanhã.
o azul reserve o céu de nuvens claras
ou a chuva escura lave o lodo,
o que for, chuva ou sol amanhã
quando abrir os olhos saberei.
Não diga meu nome, me esconda,
por favor, e jogue a chave fora,
sim... puxe o sinal do ônibus,
me faça descer, por favor,
para única e exclusivamente me ver,
me ver, me saber o sal no céu da boca
me saber dizendo não e somente sim
e quem sabe talvez você e eu
sobrevivêssemos a nós.
Não foi dessa vez, não foi.
Por isso acenda esse cigarro longe,
por favor, agora chega,
desapareça, suma daqui.
A aspirina me cheira a náusea,
já viu esse cisto no crânio
na foto de iodo?
Pois não... muito prazer,
não lamento, só o hoje vou viver.
Amanhã, quem sabe, amanhã.
o azul reserve o céu de nuvens claras
ou a chuva escura lave o lodo,
o que for, chuva ou sol amanhã
quando abrir os olhos saberei.
domingo, 29 de janeiro de 2012
Patológico
Todas as patologias. todas.
Hoje acordei e me iludi.
como todos os dias, como...
hoje acordei e era lama.
Nadei na lama
nadei sentado na minha cama
nadei na internet
nas horas mortas.
Hoje todas as patalogias,
todas as clínicas:
o exame do cérebro,
o iodo,
o sangue retirado.
Hoje é como ontem
como me faço mal
como me derroto
me curvo, me deito.
À noite de hoje olho
minha barriga de quase quarenta anos
e roubo mais um dia de felicidade
e narro assim aqui deitado
nesse esquálido ortopédico,
narro aqui o meu cínico mentir e manipular:
hoje não foi, hoje não será, hoje já me perdi
mas foi hoje, amanhã pode ser diferente, será?
E nesse exato momento que escrevo
e-x-a-t-o m-o-m-e-n-t-o
me digo a maravilha de que é me amar
e me prometo o que amanhã vai mudar e será?
e me olho no espelho
m-e o-l-h-o n-o e-s-p-e-l-h-o
e me vejo carne, osso, peito, pescoço
e só, muito pouco peço socorro.
Hoje fingi a chuva de domingo
e servi para lembrar em ti
que o seu choro carrega apenas o meu nome:
medo, ilusão, melancolia.
Hoje acordei e me iludi.
como todos os dias, como...
hoje acordei e era lama.
Nadei na lama
nadei sentado na minha cama
nadei na internet
nas horas mortas.
Hoje todas as patalogias,
todas as clínicas:
o exame do cérebro,
o iodo,
o sangue retirado.
Hoje é como ontem
como me faço mal
como me derroto
me curvo, me deito.
À noite de hoje olho
minha barriga de quase quarenta anos
e roubo mais um dia de felicidade
e narro assim aqui deitado
nesse esquálido ortopédico,
narro aqui o meu cínico mentir e manipular:
hoje não foi, hoje não será, hoje já me perdi
mas foi hoje, amanhã pode ser diferente, será?
E nesse exato momento que escrevo
e-x-a-t-o m-o-m-e-n-t-o
me digo a maravilha de que é me amar
e me prometo o que amanhã vai mudar e será?
e me olho no espelho
m-e o-l-h-o n-o e-s-p-e-l-h-o
e me vejo carne, osso, peito, pescoço
e só, muito pouco peço socorro.
Hoje fingi a chuva de domingo
e servi para lembrar em ti
que o seu choro carrega apenas o meu nome:
medo, ilusão, melancolia.
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