terça-feira, 27 de julho de 2010

Janela



Me debrucei nesta janela para ver o sol e quase abracei o sal. Era para me tornar cal nas listras do asfalto, mas vôo com o branco de asas: nuvens para flutuar. Decerto, para ejetar ou mergulhar da janela basta apenas movimentar um pouquinho os passos dos pés para fora do chão. Assombrações, febres e cordilheiras de medo, a tudo isso somam-se as forças da gravidade, o análogo do Ícaro. O pouso não será nada agradável, mesmo que se trate de apenas 1 metro e meio, visto que para Ícaro rimar com o riso, o sorriso do sonho não está em nenhuma máscara de teatro.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Porta




Foram feitos de salmoura e de fertilezantes as linhas que colocamos nas dobradiças de algumas portas lá de casa. Nos disseram que a salmoura era para combater as cãibras. Assim pretendemos sarar o cansaço e fertilizar a vida. Mas a tal da semente, aquela que espero não nos diz um olá, um bom dia. Outro dia tive que forçar a porta quase ao ponto de arrombá-la. Mas no final das contas, olhei para ela assim como quem diz: mais uma vez que tal... vamos ver se fazemos ventilar um arzinho por aqui.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O Estaleiro


Chega uma hora em que tudo pára. Hora asséptica. De clamor, diriam alguns, de refúgio, diriam outros. A água corre pelo canto do asfalto, cheia de poeira, de bitucas, de pedras e de asneiras sizudas, mas estaca debalde todo o esforço que emprega, estaca e pára. Tudo pára: a água, o pensamento, o ódio, a raiva, as animosidades que me impregnam, tudo, mas tudo mesmo está parado e não adianta escrever, sublinhar ou desentender-me com quem quer que seja. Pois será que vale algum tostão ou alguma migalha de sorriso? Será que valeria um grito ou então tomar cápsulas de valeriana? Assim estou estaleiro, navio avariado, meio que retirando as placas que há muito deixaram de ser eficazes, o que alías, conjecturo: nunca o foram. E neste estaleiro, procuro me reinventar para colocar de novo o barco a navegar de modo mais suave, com as ranhuras mais acarinhadas.