quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

70 dias depois

70 dias depois escrevo estas pequenas palavras. Enfim consegui entregar meus manuscritos para alguns amigos lerem. Poemas, poemas, poemas. Por conta disso, as palavras por aqui ficaram mudas. Mudaram-se para os blogs dos amigos. O ano aproxima do fim e este blogueiro prefere mais os emails profissionais do que os posts, é fato. Vamos para o próximo ano, para o próxima década, para a casa dos quarenta que se aproxima.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Antônio Maria e Dolores Duran na voz de Paulo Gracindo e Clara Nunes in Brasileiro Profissão Esperança (Paulo Pontes)

“Me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins — isto é: os que comem cebola crua; me ensine tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore, a valsar; e me lembre do que eu esqueci — raiz quadrada, frações, latim, geofísica e “Navio Negreiro”, de Castro Alves; depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano… carinho — de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve; destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá… agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação; lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: “comment allez vous”? de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert; está vendo o retrato dos meus 20 anos? de lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: não saia esta noite e fique comigo, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja…”




"Amanhece em Copacabana, e estamos todos cansados.Todos, no mesmo banco de praia. Todos, que somos eu, meus olhos, meus braços e minhas pernas, meu pensamento e minha vontade. As pessoas e as coisas começam a movimentar-se. A moça feia, O homem de roupão, que desce à praia e faz ginástica sueca, o bêbado que vem caminhando com a lapela suja de sangue, ônibus de colegiais e, lá dentro os nossos filhos com cara de sono. As pessoas e as coisas começam a movimentar-se. O banhista gordo e de pernas brancas vai ao mar cedinho porque as pessoas de manhã são poucas e enfrentam sem receio seu aspecto. Um automóvel deixou uma mulher à porta do prédio de apartamentos.Todas as ordens foram traídas, todas as promessas foram desfeitas, Aqui sentado neste banco de praia eu sou um vegetal!
Estou reduzido aos meus instintos, estou preso aos meus sentidos, pouco a pouco foram reduzindo meu direito à minha humanidade. Tiraram meu semelhante de junto de mim, limitaram o uso do meu cérebro às operações mais simples, arrancaram a minha carta de cidadania, extinguiram a minha capacidade de influir,
diminuíram o meu cérebro, dissolveram minha consciência. Agora, eu apenas faço parte da paisagem quase morta. Sou uma planta encostada aqui neste banco de praia. Quando haverá outro dia esperança, quando?
Já começo a sentir cansaço, depois vem o desgosto, depois o desespero de tudo isto."



terça-feira, 21 de setembro de 2010

Debate: Literatura e Cinema, um desdobramento para além do escritor e de seu universo criador

Nesta quarta-feira no Sesc Tijuca ocorrerá um debate sobre Literatura e Cinema que terei o prazer de mediar. Os convidados são Marco Simas, autor do livro Último Trem, editado pela Vieira & Lent; Talitha Ferraz, autora do livro a segunda cinelândia carioca, editora multifoco e Marcelo Carvalho, professor e pesquisador de Cinema

Para maiores detalhes consulte este link aqui

No Prelo - A mulher sem palavras, de Barbão


A Vieira & Lent Casa Editorial já trabalha no seu próximo lançamento, A Mulher sem palavras, de Barbão. Para saber mais clique aqui.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

sobre as impossibilidades do dia

Há dias em que tudo se torna tão impossível. Emails retornam. Olhos cansam e a garganta inflama. Há dias de tamanha preguiça que a baba escorre fronhosamente pela cama. Assim, nestes dias não se pode nada a não ser esperar, esperar, esperar. Há também os dias em que o desejo urgente de realizar algo vultoso ou de pequena valia se apresenta, mas mesmo assim as distrações imperam e fazer um trabalho no computador torna-se pesaroso e navegar pela internet é muito mais fácil. No fim, quase sempre, foda-se o trabalho e viva a dopamina das navegações intermináveis. Assim também acontece com a alimentação deste blog ou dos inúmeros projetos que são fantasiados na minha cabecinha... No fim, vingam os adiamentos até o último minuto, até quando o prazo do calendário surge inexorável na minha tabela mental de compromissos. Aí renasço, aí sou o bombeiro que apaga todos os incêncios. Prazos e pressão, prazos e xícaras de café, prazos e o pulso e os dedos doendo de tanto teclar interminantemente o computador, a agenda tem que...e deve ser cumprida. Para mim, prazo significa a última hora, significa obssessão de acabar, de finalizar o que se começou. Nestas horas sou um herói, um herói. Mas vou mudar isso, vou inverter esse paradigma, esta ordem, A partir de hoje, de agora em diante a ação diária contra a procrastinação é o meu lema, minha palavra de ordem, minha oração, quer dizer, acho que não hoje... hoje não, amanhã, é... amanhã vejo isso, aliás ainda tenho mais um diazinho.



sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Emil de Castro

A poesia e o universo poético é vasto demais. É muito difícil mensurar ou mesmo classificar as versáteis formas de versejar, de se forjar um poema. De maneira que, cada um ao seu gosto, vai descobrindo, desconstruindo, balisando, suas leituras. De minha parte, ultimamente, volto meus olhos para os poetas dos anos 60. Aqueles que das vésperas dos anos de chumbo da ditadura, viveram as transformações políticas e se debruçaram liricamente sobre um barril de pólvora para dali extrair seus poemas, suas vivências, revoltas e esperanças.

Notadamente, nesta época, quase já na curva primeva dos anos 70, iniciou sua obra o poeta Emil de Castro. Sua estréia deu-se em 69, com o livro o relógio e o sono, editado pela leitura-rj. De lá até hoje, muitos livros foram publicados e embora sem participar de alguma constelação de poetas unânimes, Emil se manteve sempre ativo, publicando constantemente, relacionando-se com seus leitores. Desses sou mais um que desfruta de seu lirismo melodioso, de sua forma de alinhavar a rotina, as questões menores, às reflexões mais gerais da existência. Pessoa prática, militante político e cioso de seu tempo, Emil gestou alguns de seus poemas a partir das adversidades contemporâneas, das imposições capitais.

Para os leitores deste blog, selecionei alguns de seus poemas. Boa leitura:


O TEMPO

O tempo não é nosso.
Nossa é a vontade vivê-lo
e de senti-lo
em toda plenitude
com o corpo e com a alma.
O tempo com sua vivência de crises
e guerras.
O tempo com sua certeza de rosas
e espinhos.
O tempo com seu feto calado
no aveludado do seu ventre.
O tempo com seus ponteiros
a marcar o sempre depois dos homens
e das coisas.
O tempo não é nosso.
Nossa é a vontade de não
sofrê-lo nas horas de senti-lo.


SER POEMA

Ah impossível ser novamente vento
nas ruas.
Um sentido de mar no cais
com a ilha na carne.

Ah impossível ser pássaro
passeando plumas na calçada.
Um mastigar verde nas retinas
com o mundo na janela.

Ah impossível ser poema
com tanta gente morrendo


CARTÃO DE CRÉDITO

Há contas a pagar por roda vida.
Esgotei meus créditos na direta
razão de ser ausente.
Uma barata esmagada no vão da porta.
Não sou eu desculpem-me,
mas resta ainda a sensação de inseto
que corre nas minhas veias
e nem percebi que meu cartão de crédito
perdeu a validade.


POEMA

Antes de anoitecer quero regressar
Ao bosque onde ficaram meus passos
e sentar-me na terra como quem não
vive o tempo de primeiro amar.
E na chegada andarei entre o limo da
madrugada passeando o ontem menino
que fui na janela para o nada.
Auras me pentearão com seus abraços
e nada evitará que me instale na es-
trada onde é certo que morrerei do jeito
que a vida me apanhou entre escombros.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Elogio a Roberto Pontes

Revisitando uma pasta de guardados, encontrei o jornal Poesia etc. datado de 1997. Neste periódico, se não me engano, foi a primeira vez em que fui publicado. Os editores do antigo jornal eram os também escritores Emil de Castro e Pedro Macário. Aqui, deixo o poema que escrevi na sua forma original, na seção os novos:


Elogio a Roberto Pontes


Gostaria de escrever como tu,
a sonoridade certa e a concisão,
queria ter os teus temas
e sair do confessionalismo,
mas em meus versos não há brasa
que abrace a simplicidade.

Gostaria de muitas vezes correr os dedos
pelo dicionário e achar as palavras mais precisas
para os versos mais certos,
esmerar a letra, de dorida transformá-la
em "scarface" insólita
para dizer em livros bojudos como manga
coisas de política, pássaros, amor
e futuro (sem pretérito).

Em todos os gostares o que corre correrá
em minha imaginação - limite
até o ponto exíguo de versos presos,
até quando espantar-me fruto maduro
próprios de bom apuro
de fruta cearense amadurecida.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O jacaré

Ele mergulhou no rio,
na lama, no lodo úmido.
Lá ruminou escamas,
espreitou aventureiros:
macacos, cervos, cordeiros.
Abocanhou sua vítima
e o tragou para o fim.
Chafurdou naquele veio
do rio que ainda
suspirava um fio líquido
embaixo do sol rutilante.
Foram dias mergulhado
entocado no pasto argilático
e aquela secura de lágrimas
no escuro quente
do fundo do rio.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

sexta-feira 13

A noite caiu silenciosa na cidade. O vento silvava pelas esquinas, pelas ruas. Pierre arrastava os dois erres nas costas, seus pés chapeavam no chinelo a poeira suada. Era uma sexta-feira 13 do mês do desgosto. Muitas folhas de amendoeiras esvoaçavam na rua, algumas iam em sua direção. Ele se desviava lentamente levando o peso de seu corpo de uma semana de trabalho pesado ora para esquerda ora para direita. Naqueles instantes, assim corria também sua cabeça: ora para esquerda, maldizendo o que deixara de ser, ora para direita, contente por não ter assumido compromissos de uma agenda lotada. Aparou-se em uma árvore para fugir de uma lufada que o surpreendeu. Talvez tenha sido o vento mais-mais forte da noite ou ainda não... ou ainda sua cabeça iria latejar mais e mais e o braço tornar-se-ia tão dormente que Pierre teria de apoiá-lo na protuberância da imensa barriga, escondendo o dedo no umbigo. Olhou à procura de um abrigo que fosse, uma marquise, uma reentrância qualquer, mas nada, apenas lhe restava aquela árvore. Em um átimo de segundo tudo desaparecera, as ruas, os gradeados dos prédios e das janelas. Agora uma neblina enovelou Pierre e a árvore. Dos sulcos da árvore escorreu um musgo de sangue e micróbios e bactérias purulentas. Era sexta-feira 13 e Pierre devaneava. Via sua morte se aproximando e ela não tinha aspecto de bruxa ou de morte com capuz e ceifadeira. Tinha sim um rosto de juventude e cabelos negros, de namoradas, de bolinho de arroz na casa da avó, um cheiro de saudade, de jogo de pedrinhas com os amigos e de missa aos domingos, dos pequenos furtos e beijos roubados. Se sentou impotente, fechou os olhos e deixou que todas suas lembranças amainassem. Assim o espírito aquietou. Mais ou menos umas duas horas depois, umas luzes vermelhas se aproximaram dele, era o SAMU que chegara para ver o corpo daquele homem quase pregado a árvore, sentado no meio das pedrinhas do canteiro. E lá estava Pierre que arrastava os erres pelas costas, e o enfermeiro da ambulância ainda comentou: Esse daí parece que morreu querendo esquecer seus erros.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ponto de Solano




O que é este ponto inerme e que se preenche por si próprio e que está defronte minha mesa de trabalho indicando uma pausa, um stop? Resoluto e imóvel, ele me desafia a algo de mais imaginação: algo como um "ei... preste atenção aqui para o que eu posso fazer: cambalhotas, petelecos e riscos, palavras novas, frases que você jamais ousou..." Então em um piscar de olhos, ele se cola na minha retina e para onde olho, lá está ele nas paredes e na cortina, na porta do armário. Em instantes retorno o olhar para ele e me fixo neste joguinho divertido de vê-lo pulando em vários lugares do quarto por várias vezes. Mas de repente, numa destas rodadas, quando a vista já começa a lacrimejar há um esteio diferente no ponto que me faz deter a visão. De fato, agora ele mudou, deixou de ser aquele ponto imóvel, redondo e gordo, e apareceu uns riscos que se espraiam por toda a tela do PC, partem em diagonal e todos partilham da mesma origem, o ponto, aquele ponto inerme e imóvel que eu vira pela primeira vez na tela do micro. Parece, não... não parece... ele de fato deixou o cabelo crescer e agora diante dos meus olhos há um asterisco, um ponto hipie, descabelado e que pigmenta a tela de tal modo que me pergunto: quais palavras ele sinaliza, quais significados? E agora o jogo não é mais o de girar a visão pela tela, pela parede. O jogo agora é de imaginação: e se por acaso este ponto deixasse escorrer uma seiva, uma gosma que pinga-pinga-pinga. Tornar-se-ia uma vírgula? E que pausas esta vírgula iria indicar, o que viria a seguir... apostos, conjunções adversativas, afirmativas, advérbios modais, de tempo? Talvez uma série de afirmações cabais sobre o mundo, a paz no mundo, o plano econômico do governo da Dilma ou um-não-sei-o-que-que-me-diz-que tudo será melhor no futuro pois a conjunção dos astros apresenta um próximo semestre bem mais promissor, mas que para isso acontecer é preciso ter disciplina todos os dias, todos os dias uma agenda com listas, com riscos, com tarefas. Aí então, talvez, repito talvez, essa vírgula acrescente algum cifrão em sua história decimal. Este talvez seja o ponto de Solano, aquele que é de ano a ano. O ponto exíguo que reluz as coisas que realmente valem, lépidas em sua prática de quicar-quicar-quicar e não se deixar enovelar por estranhos pensares. É o ponto máximo de vida e o mínimo. Ponto zero do infinito e que agora me faz perguntar: Ponto, qual é a sua?






sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O Trem

Engenho de Dentro, Madureira
Deodoro e este sonoro
estalar de ferros

Saculejo café com pão
café com pão, não...
é pistão, pistão

Castanho é o sol lá fora
Brilha nos tijolos descascados
Ainda assim, anda-se
um bocado abafado
o peito na minha cara
e este suor de enlatado

Meu Deus, onde é que estou?
É olinda, é? É juscilino, não é?
É pistão, É pistão

Por onde é que ele vai
a fora este desvão,
pois já me derrubaram
uma marmita

é que o maquinista
beijou o ferro retorcido
e agora vôa,
até Saracuruna
e segura, e segura
e balança e balança
lá vai o temido,
o benzido, o velho,
lá vai, lá vai, lá vai
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terça-feira, 3 de agosto de 2010

Na cama

É domingo de tarde, dia de pasmaceira e estou sentado na cama e pela janela entra a luminosidade de um sol castanho descascado que se esparrama suavemente no taco do quarto. Este mesmo sol reluz as folhas de um pequeno jardim suspenso do vizinho. Inspiro e expiro lentamente: uma, duas, três vezes e me digo: estou na minha casa, estou na minha cama, esta cama é minha. Apalpo e agarro o lençol, os travesseiros. Por entre meus dedos, o ranger do algodão do lençol me causa pequeno arrepio. Subitamente uma voz vacila amiúde em mim. Não se trata de uma voz desconhecida, pelo contrário, há tempos que a conheço, embora, desta vez, ela estivesse assim débil demais, porém viva, sim... ela estava rondando por ali, procurando estrilar algum eco no meu cérebro. A semitonante aos poucos tomou forma e ganhou sintaxe, eu já a ouvia nítido e claro, como um anúncio de um pleito consumado, no qual, é claro, o derrotado fora eu. Agora aquela nitidez, aquele zumbido me incomodava assustadoramente, tomou o vulto de um estrondo seguido de diversos cânticos moribundos e então era eu novamente o estranho, o perplexo, o inadequado, aquele que nunca consegue achar o caminho de volta, o que cruzou a linha. E este sentir, este pesar me circunspecta, por mais que eu esforce ou me descabele para parar a voz que relincha na minha cama. Palavras! fluem palavras desta voz: palavras, frases, palavras. E assim, escutando esta voz, já nem me dou conta do meu corpo, do meu cansaço na sétima vértebra, da dolorosidade do calcanhar, assim vou semicerrando a vida, deixo para o vazio a voz, pois é de lá que ela viceja seus silvos, já inconsciente me despeço do castanho do sol e, finalmente, o sono me embarca em mais um sonho atribulado, cheio de vozes, cheio de vozes.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O cão e o vazio.

Me perdoem aqueles que batalham diariamente seu ganha-pão. Me perdoem, pois eu também o batalho e muito, mesmo quando a minha falta de desejo me diz lá no bem fundinho: fica deitado. Me digo também que fui mal aprendido, o mimo me estragou. Criação de vó, Olha só!É verdade: olha só. O marasmo, o marasmo foi me engolindo nas pequenas lidas de ter de ganhar o tal pedaço de pão. E o fracasso cresceu, cresceu para danado, tanto que olho para o passado, revejo os tempos e mesmo assim a morosidade continua habitando a pálpebra. Poderia me mentir um pouco: Ah eu fiz isso! Ah eu fiz aquilo! Ah eu publiquei em tal e tal lugar. Meus textos correram os rios e inundaram de poemas algumas mentes. Mentira! Mentira! O que pousa agora pelos meus escrutínios é a voz do fracasso. O inapelável fracasso fruto da procrastinação, da eterna preguiça. Não se trata, Não se trata de ser ou deixar de ser o mito superhomínico, não... não é isso. É o vazio, a nesga de escuridão, a penúria e essa mania de auto-piedade. Por mais que me esforce, não valho nada, já dizia Zé Régio. E acordo no dia seguinte, na manhã seguinte, e negocio com o relógio mais 15 minutos, mais 15 minutos. Ah se eu pudesse fazer essa cidade andar no meu ritmo, se pudesse o tempo parar para eu passar arrastando chinelos seria maravilhoso. Se eu pudesse ser apenas um olhar de cão preso numa coleira e passeando, seria divino. Mas não é, pois sou eu que coloco a coleira e passeio o cão, sou eu, inclusive, que persigo quem não paga as contas, sou eu que tenho que de acordar e sair pela manhã para vender livros que não escrevi. E já vendi milhares de besteiras, milhares de livros mal escritos, de porcarias. Mas cada qual com o seu pão e cada qual com o seu cão. E o meu já está aqui me olhando, pedindo para dar uma volta, já vou... Xô preguiça! Xô zica! Depois volto para escrever mais, quem sabe vem um novo livro por aí, quem sabe. Afinal, um pouco de otimismo não faz mal!

terça-feira, 27 de julho de 2010

Janela



Me debrucei nesta janela para ver o sol e quase abracei o sal. Era para me tornar cal nas listras do asfalto, mas vôo com o branco de asas: nuvens para flutuar. Decerto, para ejetar ou mergulhar da janela basta apenas movimentar um pouquinho os passos dos pés para fora do chão. Assombrações, febres e cordilheiras de medo, a tudo isso somam-se as forças da gravidade, o análogo do Ícaro. O pouso não será nada agradável, mesmo que se trate de apenas 1 metro e meio, visto que para Ícaro rimar com o riso, o sorriso do sonho não está em nenhuma máscara de teatro.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Porta




Foram feitos de salmoura e de fertilezantes as linhas que colocamos nas dobradiças de algumas portas lá de casa. Nos disseram que a salmoura era para combater as cãibras. Assim pretendemos sarar o cansaço e fertilizar a vida. Mas a tal da semente, aquela que espero não nos diz um olá, um bom dia. Outro dia tive que forçar a porta quase ao ponto de arrombá-la. Mas no final das contas, olhei para ela assim como quem diz: mais uma vez que tal... vamos ver se fazemos ventilar um arzinho por aqui.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O Estaleiro


Chega uma hora em que tudo pára. Hora asséptica. De clamor, diriam alguns, de refúgio, diriam outros. A água corre pelo canto do asfalto, cheia de poeira, de bitucas, de pedras e de asneiras sizudas, mas estaca debalde todo o esforço que emprega, estaca e pára. Tudo pára: a água, o pensamento, o ódio, a raiva, as animosidades que me impregnam, tudo, mas tudo mesmo está parado e não adianta escrever, sublinhar ou desentender-me com quem quer que seja. Pois será que vale algum tostão ou alguma migalha de sorriso? Será que valeria um grito ou então tomar cápsulas de valeriana? Assim estou estaleiro, navio avariado, meio que retirando as placas que há muito deixaram de ser eficazes, o que alías, conjecturo: nunca o foram. E neste estaleiro, procuro me reinventar para colocar de novo o barco a navegar de modo mais suave, com as ranhuras mais acarinhadas.



quinta-feira, 13 de maio de 2010

Eu diria Belô... O ano realmente só começa depois da copa

Sim... Eu havia dito: o Ano começa depois do carnaval. O carnaval já se foi com seus personagens que pinçaram os blocos do Rio de Janeiro e até agora nada de postagem nova. O milionário passou de roupão pelo Escravos da Mauá, o pastor pregou quase no meio das pernas da colombina em Santa Teresa e eu não escrevi nenhuma alusiva.

Agora a copa alvita os cerebelos dos milhões de técnicos brasileiros enquanto Adriano amarga mais um copinho na Chatuba. Toma-lhe Chatuba.

Agora, talvez, eu consiga escrever algumas linhas. Nada contra os dez quilos a mais do Adriano, não é nada pessoal. Mas é que agora estou respirando a solidão de um quarto de hotel barato em Belô. Reafirmando formalmente minhas vagas promessas de escrever umas duas postagens por semana.

A mão está muito enferrujada, os dedos lentos, falta inspiração, falta concentração, falta disciplina. O netbook emprestado é macio, porém o teclado é pequeno e não dá para digitar olhando diretamente na tela. É mais uma desculpa, inclusive para poder me despedir rapidamente. Mas uma coisa é fato, em ano de copa o ano só começa depois para todo mundo, para os artistas de horas vagas, para os organizadores da copa 2014 e para o comércio também, menos é claro para aqueles que vendem televisões... Para eles, o ano bomba assim que acaba o carnaval .

sábado, 6 de fevereiro de 2010

vídeo Tijuca em Crônicas




Este vídeo foi realizado durante o Tijuca em Crônicas, oficina literária realizada em 2007 pelo SESC RJ em parceria com o IMAC e que tive o prazer de coordenar. Um grande abraço para todos as pessoas que fizeram parte deste projeto.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

colapsos

Pela manhã a língua
na virilha,espasmo
galopando o calcanhar
- casco amaciado -
no travesseiro
- colapso -
a boca dormente.

Pela tarde o sussurro
próximo é cano entupido
e entre a cama e o chão,
há um salto duvidoso

quando a noite penumbra
a janela do vizinho
desfazendo permutas,
somos nós e o abismo,
o cansaço - colapso.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Águas do Rio

Seguem as águas do rio,
escorrem nas beiras,
nas eiras, nas neuras.
Seguem as seculares poças
que inundam a Praça Mauá
e fazem do Caju a piscina das almas.

Seguem e seguimos as moças
que também marolam
o rebolado saltitado do ir
e vir cadeirando na Lapa,
no samba, no café com pão
do Manuel Bandeira.

Eu também sigo,
obcecadamente
as águas do rio sigo
nadando nas estações
Carioca e Cinelândia
Uruguaiana e Saens Pena,
as moças cadeirantes
os jeans suados, colados,
as saias, os faróis molhados,
o frisson de meu guarda-chuva
rasgado neste dia chuvoso
com meus fantasmas
e as almas do Caju.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O ano

Começa o ano e começam os rebuliços. Quantas listas meu Deus! Quantos pensamentos do que há a se fazer, executar, planejar, correr. O tempo, o tempo é essa linha tênue que conduz a marionete - puxar para aqui, puxar para ali. É o tempo. Mas estão paradas as coisas pois mal o ano rebentou e as tragédias acontecem. Mal o ano começou: a vida foi ceifada. Mas eu não consigo parar e ver o estrago, o buraco na boca do estômago. Sigo, sigo balançando e tremendo como gelatina, esquivando-me das farpas e das agulhas deixadas no esburacado das ruas, e como um capoeira, brincando de jogar amarelinha, pulando as vaidades, as dúvidas, os ciúmes. Este ano promete ser uma baita aventura, talvez a maior de todas: a de viver um dia de cada vez, a de sentir o só por hoje faço o melhor por mim. E se um terremoto ou um zangão ou uma rasteira me acertar e não conseguir me levantar e sorrir, foi o destino que disse o basta. O que me vale hoje é o benefício da incerteza do que vai acontecer e do que vai dar certo ou não, até porque ser escravo é achar tudo está errado.