Então bebi cicuta
eu já jaziado
blues etilizado
e comi de uma farofa
esquisita enquanto
as folhas esmagadas
me desciam na garganta.
No mesmo dia, antes
quis dar o nó no lençol,
a voz presa no quarto andar de um hotel fuleiro
gritando as agulhadas
e os papos com as cortinas secas de gelo.
E tinha um quadro cheio de comprimidos
para esconder aquilo que eu tinha visto na parede:
a sombra de um fígado
desenhado chamando meu nome,
a cicuta dando defeito
e eu já engasgado.
Flávio Corrêa de Mello
Portfólio / Curricullum
domingo, 8 de dezembro de 2013
domingo, 1 de dezembro de 2013
Modo de Máquina
Não vejo.
estou modo de máquina
no teclado de razões
e rumos e ruídos e mensagens.
Obtuso, obscuro, esquivo,
saltando poças e esquinas,
jogo de amarelinha
com Fernando Pessoa
levando minhas porradas.
Pois em modo de máquina
- o egoísta que sou!
há mais outras ferroadas,
ali é lei de seca,
o ops! que se enganou,
era para narrar e dissertou.
Mas aqui correm veias,
sangue e poréns.
É dente trincado, dente afiado:
Todo direito ao Direito!
Toda lei é Hamurabi!
Todo, me devoto ao grande foda-se.
Mas quando fujo no backspace,
me vejo só no meu modo de agora.
Flávio Corrêa de Mello
estou modo de máquina
no teclado de razões
e rumos e ruídos e mensagens.
Obtuso, obscuro, esquivo,
saltando poças e esquinas,
jogo de amarelinha
com Fernando Pessoa
levando minhas porradas.
Pois em modo de máquina
- o egoísta que sou!
há mais outras ferroadas,
ali é lei de seca,
o ops! que se enganou,
era para narrar e dissertou.
Mas aqui correm veias,
sangue e poréns.
É dente trincado, dente afiado:
Todo direito ao Direito!
Toda lei é Hamurabi!
Todo, me devoto ao grande foda-se.
Mas quando fujo no backspace,
me vejo só no meu modo de agora.
Flávio Corrêa de Mello
Papel branco, tinta negra
Mesmo se a folha é branca,
é preta a tinta que ali se crava,
negra como as cicatrizes
na pele da chibata.
E se um dia me digo
que não sou do papel onde escrevo
e afio o grafite de mãos negras,
é porque eu me conheço
na carne dos lábios
a consciência de riscar
preto sobre branco,
um enredo de livro
que somente a faca,
o sangue e o grito,
um dia poderá mudar.
Sigo os rumos das palavras:
setas de arco e flecha na floresta,
zangaia, martelos e moitarás,
sete folhas me fecham o corpo
e os atabaques nos pés descalços
(ainda descalços...)
Òké Aro!!! Arolé!Òsóòsi
E quando a rasteira passa o guizo,
o caminho é alto para quem sobe
e no lombo é a vala que desce
é porque, então, me alfabetizo
na volta que o mundo deu,
na volta que o mundo dá
o que me vale são as preces de hoje,
e os poemas de cor e dor
são minhas armas de me arriscar.
Flávio Corrêa de Mello.
é preta a tinta que ali se crava,
negra como as cicatrizes
na pele da chibata.
E se um dia me digo
que não sou do papel onde escrevo
e afio o grafite de mãos negras,
é porque eu me conheço
na carne dos lábios
a consciência de riscar
preto sobre branco,
um enredo de livro
que somente a faca,
o sangue e o grito,
um dia poderá mudar.
Sigo os rumos das palavras:
setas de arco e flecha na floresta,
zangaia, martelos e moitarás,
sete folhas me fecham o corpo
e os atabaques nos pés descalços
(ainda descalços...)
Òké Aro!!! Arolé!Òsóòsi
E quando a rasteira passa o guizo,
o caminho é alto para quem sobe
e no lombo é a vala que desce
é porque, então, me alfabetizo
na volta que o mundo deu,
na volta que o mundo dá
o que me vale são as preces de hoje,
e os poemas de cor e dor
são minhas armas de me arriscar.
Flávio Corrêa de Mello.
terça-feira, 6 de agosto de 2013
Nota de Falecimento - Sérgio Miguel Braga
O querido amigo e ator Sérgio Miguel Braga faleceu na tarde desta segunda-feira, 05 de agosto, vítima de uma parada cardíaca. Serginho era viciado em teatro, um batalhador. Fez teatro de rua, infantis, produziu e viveu de seu ofício.
Nos últimos anos, Sérgio rodou o Brasil com o espetáculo "Mário Quintana, o poeta das coisas simples". Foi sucesso de público em várias capitais, em palcos grandes ou arremedos. Se era grande ou pequeno o público, para ele não tinha tempo ruim. Seu humor e sorriso superavam as dificuldades nos palcos da vida.
Embora não fossemos tão próximos, eu o admirava bastante. E quando nos encontrávamos, geralmente ao acaso, me enchia de felicidade ao vê-lo. Ontem me lembrei de alguns de nossos encontros ao longo dos vinte anos de contato... Um final de semana em Maricá, uma peça de teatro de rua em Piedade, uma fila compartilhada no Banco do Brasil. Me lembrei de nossos papos e principalmente do jeito dele colocar os assuntos, sempre com muito tato e calma (pelo menos comigo).
Neste fim de semana pensei em procurá-lo para participar do sarau de poesia que integro. Gostaria de convidá-lo para falar de Mário Quintana. Não o procurei, deixei para depois... Curiosamente, a sua última postagem no facebook, é uma fala de Quintana sobre a vida e a morte:
Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão.
Há! Mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 87 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto.
Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade..Mario Quintana.
A cerimônia de despedida do Sérgio será dia 07/08
Cemitério do Catumbi
Velório: a partir das 9 horas!
Sepultamento: 11 horas
Velório: a partir das 9 horas!
Sepultamento: 11 horas
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
AINDA MAIS VIOLENTO
Reproduzo aqui o poema que publiquei na 2ª edição da antologia Vinagre.
Ainda mais violento.
A violência está no ônibus abarrotado,
no pau de arara,
nos trens do subúrbio da central,
tiro dado no olho, tiro perdido
comendo pão amassado, dormido.
A violência está aí e me oprime,
é corda de sisal,
seca e dura,
que me aperta o pescoço
até a inércia completa
ou até eu dizer chega
e queimá-la por força
e escarrar a violenta nova mudança
e do sangue cuspido na terra
nascem as rosas e os cravos,
e o mel e a doçura.
Nascer é um ato violento.
Ainda mais violento.
A violência está no ônibus abarrotado,
no pau de arara,
nos trens do subúrbio da central,
tiro dado no olho, tiro perdido
comendo pão amassado, dormido.
A violência está aí e me oprime,
é corda de sisal,
seca e dura,
que me aperta o pescoço
até a inércia completa
ou até eu dizer chega
e queimá-la por força
e escarrar a violenta nova mudança
e do sangue cuspido na terra
nascem as rosas e os cravos,
e o mel e a doçura.
Nascer é um ato violento.
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos. 2ª edição ampliada
O download da antologia Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos já está disponível. Para baixá-la basta clicar aqui.
Com prólogo de Alberto Pucheu e organização (des) assinada pelos vândalos Eduardo Sterzi e Fabiano Calixto, a antologia reúne poetas daqui, dali, de acolá... que se manifestaram em poemas em versos e visuais sobre os últimos acontecimentos.
domingo, 28 de julho de 2013
Pretérito Imperfeito de Bruno Lima
Bruno Lima lançou seu primeiro livro há alguns meses, o Pretérito Imperfeito. Não se trata de um escritor novato, um poeta que se perca pelas armadilhas do ego ou que ainda viceja os primeiros passos na artimanha da escrita poética. Também não é um poeta cansado, curvado nas estruturas que dão certo, fato que denota-se na apresentação datada da recolha de poemas que vai de 1993 à 2011, sem obedecer um índice cronológico.
Percebe-se na abertura do livro que a escolha da seleta valorizou o diálogo reflexivo do ato criativo e indica o caráter obreiro de Bruno: "traçar uma linha dentro de um caderno espiral (...)", "as traça dão certeza (...)", "texto tecido tem tempo (...)", "que é traça, que é gasta, que é menos / imprensa ou pergaminho / máquina ou mão." Estes apontam igualmente o vórtice espiralar da poesia de Bruno, sem uma unidade temática preferencial, mas com o artifício de retomada dos versos e de palavras que aparecem aqui e acolá (o caso de "traça") sugerindo diversos itinerários. Neste ponto me aventuro a identificar na traça o ato que se quer devorador das palavras e dos sentidos múltiplos reservados a poiesis e ao refastelar-se de cansaço pelo ato constante de reescrever, como podemos visualizar no poema Palavras Operárias:
Palavras Operárias
06/03/2006
Conto o conto com palavras operárias
Tralhas exatas para cada momento
Que é todo, que é aura, que é sempre
Biblioteca ou panfleto
Poeira ou vento.
Leio o texto tecido sem tempo
Pêndulo em compasso com a tradição
Que é traça, que é gasta, que é menos
Imprensa ou pergaminho
Máquina ou mão.
Escrevo e me atrevo com rascunhos garranchos
Hieróglifos conflitos de um instante
Que é curto, que é muito, que é tanto
Limpo ou rasura
Borracha ou estante.
No poema acima podemos ver os recursos de repetição entremeados nos terceiros versos de cada estrofe. Além de ondular o ritmo do poema marcado pelas repetições há o realce dos enjambements que permitem uma unidade corpórea ao poema sem perder a abertura de sentidos propostos no conjunto do poema: o diálogo com a tradição e os rascunhos, garranchos, de quem se atreve a buscar o seu próprio caminho. Esta parte inicial do livro em que se dialoga com a metaliteratura, a metacriação compreende os poemas Espiral, Palavras operárias, Pulsa pulso, Redondilhas à toa e Pensando em João Cabral.
Os poemas que seguem o livro descortinam o olhar do poeta sobre diversos temas e assuntos: família, trabalho, amor, sensações e visões são garatujas moto-contínuas que nos levam por um passeio na admissão de nossas imperfeições da lida do cotidiano. Diferente do pretérito perfeito, o imperfeito é o tempo de um passado durável que lida com a constância e a permanência em tempos remotos ou recentes. Nos poemas, traduzem-se, no meu modo de perceber o livro e a poética do Bruno, na pluralidade de sujeitos temáticos nas quais o eu poético quase se insere, quase é partícipe dos acontecimentos do entorno. No poema curto Exílio podemos distinguir melhor essa silenciosa marca:
Exílio
(25/11/1993)
Cala-se em mim
a mais estrondosa
explosão.
A grande nuvem cinza
empoeirada sufoca
meu grito.
Atrás das grades neon
minha luz agora
é cega.
Talvez o poeta tenha se exilado de nos apresentar sua obra há mais tempo. Talvez, só agora, ele reuniu o escopo necessário para por-se ao deleite de seus leitores, nos quais prazeirosamente me incluo. Há na distensão do tempo, nestes quase 20 anos, vários caminhos, sentidos, trilhas, tralhas e possibilidades de leitura de Pretérito Imperfeito. Esses múltiplos horizontes caem perfeitamente bem com o blog do autor, o identidade de um eu.
Sarau da boca para fora
Na próxima quarta-feira teremos o sarau da boca para fora. Vou ler alguns poemas por lá. Aguardando a presença dos amigos.
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Da Maré à Toulon: Os últimos dias em 3D.
Nós últimos dias, no último mês, ocorre um levante popular na
maioria das capitais brasileiras. Um rio movediço, de natureza violenta, atrita
as margens governamentais e as forças capitalistas em suas mais diversas
representações (o Estado, a mídia tradicional e a Polícia). Sem uma direção assemelhada
ao valor de militante-dirigente, mas com algumas pautas elencadas, o caudaloso
movimento se estende para vários focos de reivindicação. Permeia-se a urgência
e a violência da resposta a qualquer ensaio de calar ou ofuscar sua voz.
Em caráter de análise, podemos ensaiar uma breve tentativa de
conhecer a origem deste movimento, breve porque ensejam estudos aprofundados e
tempo de maturação, entretanto a urgência de escrevê-lo faz com que somente elenquemos
o curso dos fatos históricos ocorridos recentemente: o aumento das passagens, a
copa das confederações, o soco do prefeito carioca no cidadão (imagem na qual se
insere toda a soberba da representação política perante a queixa da população
local). Não obstante, alguns momentos são ímpares na motivação de focos de
resistência da população contra os processos mais amplos que ocorrem nos
centros urbanos – a gentrificação e as remoções arbitrárias da população local
no âmbito do Rio de Janeiro com a inócua pecha de modernização da cidade em
oposição à péssima prestação de serviços, o aumento do custo de vida, o pacto
governista do petismo com o PMDB e o tratamento que é dado pelas instituições governamentais
aos recentes acontecimentos. São eles: a chacina da Maré e a depredação de
patrimônio público e privado durante as manifestações.
A relação de causa e efeito, violência gera resposta violenta
é ainda mais pertinente. A violência não é gratuita, nem o deverá ser, a moeda
é paga no mesmo prato que se come. Se os grupos capitalistas que ombreiam as
instituições públicas apoiam-se cada vez mais na prestação de serviços e na
corrupção lobista para a manutenção de seus interesses e se a mídia tradicional
faz parte desse bolo e de tal modo à massa ela se mistura, as relações
políticas tornam-se intercâmbios maquiados e maquinados com o intento de
desinformar a sociedade e o movimento, este por seu lado responde quase que
imediatamente com contrainformações em sinergéticas expressões vindas
diretamente do que acontece inloco.
A ambiguidade entre os cargos legislativos e executivos de
nossa União, Estados e Municipalidades com os detentores da mídia privada
pode-se ser bem verificada através dos dados divulgados no site donos da mídia.
Lá, observamos não somente a correlação de forças, mas também imaginamos o
quanto à mídia tradicional informação fatual e veracidade são de pesos e
medidas correspondentes aos seus interesses.
A divisão se dá da seguinte forma sem detrimento de cargos executivos ou
eletivos e sem especificação de mídia, segundo a fonte Donos da Mídia (rádio,
jornal impresso, canais retransmissores de televisão):
PARTIDO
|
SIGLA
|
QUANT. DE
VEÍCULOS
|
Democratas
|
DEM
|
79
|
Partido do
Movimento Democrático Brasileiro
|
PMDB
|
75
|
Partido da
Social - Democracia Brasileira
|
PSDB
|
59
|
Partido
Progressista
|
PP
|
27
|
Partido
Liberal
|
PL
|
23
|
Partido
Trabalhista Brasileiro
|
PTB
|
22
|
Partido
Socialista Brasileiro
|
PSB
|
21
|
Partido
Popular Socialista
|
PPS
|
19
|
Partido
Democrático Brasileiro
|
PDT
|
17
|
Partido
dos Trabalhadores
|
PT
|
13
|
Partido
renovador Trabalhista Brasileiro
|
PRTB
|
06
|
Partido da
Mobilização Nacional
|
PMN
|
04
|
Partido
republicano Progressista
|
PRP
|
04
|
Partido
Verde
|
PV
|
04
|
Partido
Social Democrata Cristão
|
PSDC
|
02
|
Partido
Trabalhista do Brasil
|
PTdoB
|
02
|
Partido
Social Liberal
|
PSL
|
01
|
Já com este pequeno quadro, nós podemos avaliar o papel e a
influência da mídia no cenário político e decisório do Brasil. Para completar o
confeito do bolo, nossos legisladores se debruçam em um GT recém-criado sobre a
proposta de reforma política encaminhada para um possível plebiscito proposto
por Dilma Rousseff. Interessante é visualizar que uma das principais propostas
discutidas no GT responsável pela elaboração de propostas para a reforma
política e cuja coordenaria cabe ao PT na figura de Cândido Vacarezza, é a
cláusula de desempenho (barreira) que visa reduzir e até extinguir o fundo
partidário correspondente ao incentivo as campanhas políticas dos partidos
pequenos, aqueles que não obtiverem 2% da câmara legislativa, conforme
noticiado no G1 (Globo) em 19/07/2013. Ou seja, fechar e blindar os partidos
maiores que além do fundo partidário contarão entre seus membros filiados os
proprietários de mídias.
Paralelo a isso, nos cabe também ponderar sobre a
concentração da mídia em megagrupos associados. Ligados a famílias
tradicionais, restritas, estes conglomerados atuam em diversos segmentos do
mercado de comunicação, desde o audiovisual até o impresso (editoras, jornais e
revistas), difundem conteúdo massificado de baixo valor e fatiam o mercado midiático
mediante a ineficácia de agências reguladoras responsáveis por fiscalizar a
concentração de oligopólios e verificar o caráter informativo de tais veículos,
assim como se demarca também a quase ausência de políticas públicas com relação
aos fomentos e às redes coletivas de comunicação independentes.
Democratizar a mídia é apenas um dos “d’s” no vasto escopo de
temas surgidos nas vozes incaláveis desta “primavera” brasileira. O movimento
que se quer esvaziado de lideranças nomeadas – a liderança existe sugerida no
princípio de horizontalidade – outras conotações, tags, mensagens, são elencadas
tridimensionalmente e envolvem outro “d”: o aprofundamento das relações
democráticas.
A participação na democracia brasileira deve ir além das
representações parlamentares, a necessidade do diálogo assim como as soluções
propositivas são as exclamações oriundas da rua e espanam os velhos arcaísmos
calcados no aperto de mão e tapinha nas costas, nas licitações furadas e nos
gastos exorbitantes com obras enquanto os serviços básicos de educação, saúde e
transporte público apresentam carências essenciais de garantia de funcionamento
para a população brasileira. Nossos ônibus são montados em carroceria de
caminhão, próprios para o transporte de objetos e não pessoas. Há o fluxo, o
trânsito, as filas enormes, o tempo de imobilismo, todos esses fatores são
válvulas propulsoras de angústia e insatisfação e de produção de subjetividades
de baixa- estima. No inverso do relógio, a força do povo, a multidão, o enxame
zumbe e segue para as ruas, ele é violento, audaz e de respostas significativas.
Aturde os poderes estabelecidos e é aturdido por eles, é saudável e feroz como
são os nascimentos, e mesmo sem grandes bandeiras estabelecidas, apenas alguns
princípios norteadores, talvez esse seja o momento mais importante que podemos
presenciar ao longo dos nossos últimos tempos históricos.
Felix Guatarri, filósofo, psicanalista francês, aponta alguns
caminhos sobre a relação de ausência de lideranças. Para ele, a ausência é a
resultante da burocratização e cooptação dos sindicatos diante da ineficácia de
sugerir respostas ao translado das ações do capitalismo. A percepção de
sustentáculo do capital não é mais o veio secundário dos meios de produção, mas
sim as tecnologias midiáticas e a prestação de serviços, permeadas por uma
patogenia na qual se praticam os mesmos modelos de opressão e dirigismo
característicos dos modelos binários e de estruturas centralizadas, como ele
atesta em as três ecologias:
Um dos
problemas-chave de análise que a ecologia social e a ecologia mental deveriam
encarar é a introjeção do poder repressivo por parte dos oprimidos. A maior
dificuldade aqui reside no fato de que os sindicatos e os partidos, que lutam a
princípio defender os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos, reproduzem
em seu seio os mesmos modelos patogênicos que, em suas fileiras, entravam toda
liberdade de expressão e de inovação". (p. 32)
Assim, vislumbra-se um novo mosaico que vai além, sulcam
novos modelos antagônicos aos já estabelecidos (CUT e UNE visivelmente cooptadas
e capitaneadas pelos partidos da base governista). Esses movimentos que primam
pela horizontalidade em sua essência, com uma voz ainda confusa, mais bem difusa,
estão na linha de frente do enfrentamento direto à arma repressora do estado: a
polícia. Black Bloc, Anonymous, Mídia Ninja, Punk Art, Fundação Anarquista do
Brasil, Tendência Rizomática, se condensam via redes de relacionamento (não
mais os comitês zonais ou as plenárias do partido), eles apresentam-nos os três
“d´s”, mantendo a pressão na ordem do dia e colocando-se, inclusive, diante da
possibilidade da criminalização. Sem moralismo! Uma de suas bandeiras, os
rostos mascarados por medidas de preservação contra a faceta mais cruel do
capitalismo de agora: o terror da vigilância, das escutas, das câmeras que nos
cerceiam o nosso direito de existência individual, pleno. São eles que estão no
enfrentamento direto contra a máquina policialesca, contra o gás, contra as
balas de chumbo e de borracha e os jatinhos de Eike Batista e Cabral.
Somam-se a estes grupos, uma série de sujeitos plurais de
vários matizes, trabalhadores formais, informais, associações de liberdades
individuais, movimentos sociais e partidos da esquerda não cooptada (PSTU, PSOL,
PCB) cada qual com sua maneira de interagir dentro de sua realidade
geopolítica. Estas são as águas do rio movediço.
A luta pela desmilitarização da polícia (nosso último “d”)
reproduz ainda a secular luta anticolonial. A polícia militar brasileira é uma
das que mais matam no mundo, ela não é preventiva. Segundo dados da ONU em seus
relatórios a violência da polícia brasileira (participações em chacinas, acerto
de contas e queimas de arquivo) é uma das mais violentas, atrozes. Vivemos um permanente clima de guerra civil, é
histórico e violento e real: Canudos, Contestado, a morte de Zumbi, o golpe
militar de 64 e as torturas, são alguns dos vários indícios da manutenção de um
poder associado à detenção das riquezas produzidas a custo de muita barbárie e
sanguinolência. O Estado nega quase que permanente uma guerra civil diária e a
polícia é seu fiel depositário, o cão responsável pela manutenção da ordem,
assim o foi na decapitação de Lampião e Maria Bonita, no esquartejamento de
Tiradentes, nas chacinas de Canudos, da Candelária, de Vigário Geral, no envolvimento
no assassinato da juíza Aciolli e mais recentemente na Maré, estes são somente alguns
dos exemplos dos casos de negligência da polícia. Geralmente, o alvo é o pobre,
sempre ele.
Desmilitarizar significa responsabilizar diretamente o
policial, conceder-lhe uma condição de autonomia e de exercício de cidadania,
alçá-lo não mais pela diferença da farda associada ao poder administrativo, mas
sim por sua condição humana. O policial da soldadesca e do sub-oficialato é em
suas origens ligado as classes sociais pobres. Ele marca a sua distinção de
seus congêneres pelo exercício de poder, o mais ralo possível. É força de
repressão na característica de uma personagem assimilada aos conceitos variados
que exaltam a homofobia, a disciplina militar, a obediência cega, os preceitos
de violência. Ainda, suscetíveis à corrupção, fruto de baixos soldos e
submetidos a duplas jornadas estressantes em bicos de segurança consentidos na
vista grossa (ilegais inclusive, pois não podem exercer a profissão, visto que
são funcionários públicos), o nosso policial é um ser fragilizado, passível de
neuroses múltiplas pelo contato diário com a banalização de tanta violência,
desenvolvendo um padrão sádico de sociopata.
É nos enfrentamentos que ocorrem neste momento que a pressão
social se faz mais presente. A garantia dos direitos básicos de se manifestar
contrariamente está em jogo. Muita coisa está em jogo, na verdade. E os entes
federados tentam calar a voz que emana do povo com repressão e violência.
Entretanto, os movimentos sociais articulados, as mídias independentes, os
excluídos, os favelados, o lumpesinato, os não assimilados, insurgem contra a
ordem policial e espocam respostas à arbitrariedade na maioria das metrópoles
brasileiras. Ainda vai ser maior, nós dizemos. A resposta violenta se legitima
e coaduna com o que relata José Luis cabaço e Rita Chaves relendo Fanon:
“a violência do colonizado não é, dessa maneira, uma vingança, mas
sim a catarse de gerações que já nasceram vendo seus pais humilhados, batidos,
presos, subjugados. A violência do colonizado não se reduz à brutalidade, mas a
evidência visível de que a correlação de forças que caracterizou a dominação
colonial está alterada e que o opressor perdeu definitivamente o privilégio da
impunidade”. (p.85)
Por último, é de escopo dos insurgentes a validação de suas
queixas e a organização do movimento, de modo que o enxame não se dissolva e nem
se esvazie defronte da massificação midiática em prol do governo. Ainda não é
claro qual lugar habitará a resposta proveniente das ruas, pois para além da
pressão, lutar na América Latina é debater contra a absorção da informação
pasteurizada do vandalismo estatal e reinventar-se como ser humano cada vez
mais pleno de sensações e de desejos. E o engajamento se faz necessário para se
garantir a pluralidade daqueles que optam por ter o direito de existir.
Fontes
CABAÇO, J.L & CHAVES. Frantz
Fanon- Colonialismo, violência e identidade cultural. In: ABDALA J.B (org.)
Margens da cultura, mestiçagem,
hibridismos e outras misturas. São Paulo: Boitempo Editorial, 204 p.67-85.
GUATTARI. F. As três
ecologias. 14ª edição.São Paulo: Papirus, 2003.
DONOS DA MÍDIA. Projeto
de pesquisa do Instituto
de Estudos e Pesquisas em Comunicação (epcon). Disponível
em: http://donosdamidia.com.br/inicial
data da consulta: 23/07/2013.
MORAES, D. Por que a concentração monopólica da mídia e a negação do pluralismo. In: Barão do Itararé (BLOG). Disponível em: http://www.baraodeitarare.org.br/index.php/component/content/article/20-slideshow/223-por-que-a-concentracao-monopolica-da-midia-e-a-negacao-do-pluralismo Data da Consulta 23/07/2013
COSTA, F & PASSARINHO, N. Maiores partidos da câmara querem limitar verba e TV dos menores. IN: G1- Política (Site da Globo). Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/07/maiores-partidos-da-camara-querem-limitar-verba-e-tv-dos-menores.html Data da consulta: 23/07/2013
sábado, 1 de junho de 2013
Flores mortas
Quando se enterra,
se crava ou se escava
os dedos na terra
e se olha não a bela
mas aquela flor lenta,
e que de secas as pétalas
as pedras mais água têm;
quando o corpo é o osso
reumático, anoréxico,
e ainda a teimosia avara
que estala todo o plexo,
nervoso, perplexo,
de tudo o dificultoso
de ir à terra e revirá-la;
Quando se carquilha
e já é morta a raiz,
as flores já sem vulto,
qual dentre elas levantara
diante de meus olhos
a ausência do mundo,
esse horror profundo?
Flávio Corrêa de Mello
terça-feira, 23 de abril de 2013
Entrevista e Resenha do RIO MOVEDIÇO
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