Chove. Chove muito na Carioca. O vento recorta a Senador Dantas e esfria as luzes verdes e amarelas da Petrobrás. Chove. Acendo um cigarro e na primeira tragada ele está molhado. Apalpo meu corpo, minhas costelas, o jeans colado de suor e chuva. Um rato se esgueira, luta contra correnteza que insiste em arrastá-lo para o fundo do bueiro. Chove mais. Chove muito. O rato não resiste, afunda junto aos restos de uma 13 de Maio castigada por guimbas e bugigangas e restos de papel de presente e toda sorte de material deixado para trás por camelôs desanimados. Um velho, aparentemente bêbado, se arrepende de tudo e joga o resto de guarda-chuva que ele ainda pensava ser capaz de protegê-lo das águas incessantes, das imperiosas golfadas de Deus. Ele se ajoelha diante de mim e de seus olhos cavos veio um pedido de ajuda, um pedido por uma mão, um empurrão para cima. Eu o levanto. Minimamente apurado, vai embora, caminhando tortuoso, apenas isso, vai embora. Chove cada vez mais. O centro se esvazia rapidamente e uma solidão de frio e reumatismo me assola, me imobiliza, me despreza. No meu ato divino de criação, o centro, agora, está submerso, é uma atlantes e esta chuva nada mais é que meu desespero de ser Deus, nada mais é que o meu estado de latência e de cansaço, nada mais é que o choro que deixo escorrer durante essa noite em que esmoreço sozinho a sua falta aqui ao lado.
4 comentários:
belíssimo!
acabo de ler teu poema lindo no balaio!
besossssssssss
Oi,
tem um poema seu no
Balaio.
Um abraço.
Caríssimos Líria e Moacy,
vindo de vocês... o que dizer!
"No meu ato divino de criação, o centro, agora, está submerso, é uma atlantes e esta chuva nada mais é que meu desespero de ser Deus, nada mais é que o meu estado de latência e de cansaço, nada mais é que o choro que deixo escorrer durante essa noite em que esmoreço sozinho a sua falta aqui ao lado."
Que lindo Flavio, que lindo! Saudade de ti.
Bjs,
Elis Barbosa
Postar um comentário