O bacana de ler poesia em um recital é o olhar amiúde de alguma ouvinte. Ali, naquele olhar, o que se percebe é a sedução, apreensão de um sentimento que escorre como chocolate na garganta, pelas amídalas. Umas palavras, uns vôos que o dândi encosta na boca da musa. Alías, nosso poeta parece só vê-la na platéia, aliás, só vê os olhos dela, apesar da penumbra e das cinzas esfumadas que nebulam no recinto. A sala está cheia. O Uruguaio chacoalha um coquetel enquanto uma vela projeta um brilho amarelecido sob seus bigodes. Nosso poeta escala os tons, os semi-tons, os "ais" e casemira epopéias pessoais. Sobra no ar o veludo adocicado de perfumes sessentões e na sala, na ante-sala da noite, na hora do chá, o charme do pequeno apartamento da Vinícius de Moraes é o que existe para o nosso poeta e para aquela linha imaginária que o liga a sua musa. Ah! suspira o poeta no fim do recital. Após seu breve momento de flutuação, ele desce da pequena ribalda e acolhe os sorrisos do pequeno público. Como quem controla a ansiedade, deixa sua musa para o último sorriso e um café quem sabe... Mas o recital continua, tem de continuar, agora sobe no palco um escritor de vulto, de renome. E nosso poeta percebe o quanto há de buxixo e burburinho naquele pequeno apartamento, o quanto é difícil se locomover, o quanto a fumaça incomoda as suas narinas, o quanto ele já havia dito o que precisava e o quanto sua musa já era ex - musa de permanente mal feito e camisa espalhafatosa e que nem mais o olhava. E o insuportável era o fato de o uruguaio estar na porta, ali na cerca da saída pronto para recolher as comandas e o dinheiro daquele barzinho clandestino. Ao poeta restou apenas se sentar no canto, alargar o colarinho, desinflar o peito e contar os segundos no relógio.
2 comentários:
Flávio,
parece um filme.
Mas percebemos a angústia de nosso herói na pele.
dizes teus versos, eu nem isso...
besos
líria
(adorei ver/ler o blog da janda - só não consigo, e não sei porque, deixar lá meu comentário - sou barrada no baile!)
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