O pequeno vaso grego está me olhando. A Colcha de retalhos mofa dentro do armário. Para cada retalho um ponto de fungo escurecido — memórias de festas e sais que misturavam na cama lençóis e colcha e cheiros avinagrados. No cimo da escada acompanho a simetria de pequenas reproduções renascentistas: os pratos na parede dispostos de forma angular, em cada um há uma marca de lábio, marca de uma história antiga. Não consigo fazer mais nada de nojento porque olhos (os seus) me vigiam em todo lugar. Quando vejo as jovens do colégio que há na rua, me ancoro na mureta, sitiado numa velhice que não me pertence, não me pertence. Mas é assim que escorrego pela rua, velhacamente encurvado, com pequenas cordas suspendendo alguns suspiros ou gritos que poderiam ser lascivos. Enquanto ouço vozes colegiais e o bater de tênis desesperado do vendedor de jornais correndo de um lado ao outro, vendendo notícias novas, e que se empilham uma sobre outra diariamente num movimento contínuo. Enquanto isso tudo acontece, desinteressado, me dou conta de que os movimentos virgens acabaram. Acabaram-se os novos sons e espasmos. Acabou-se a colcha e o vaso. O que existe agora é um vago sopro de passado, é uma brisa insistente que ainda me faz vivo e que persiste nos rebocos das casas descascadas e que me lembra das tuas primas e das laranjas que elas costumavam trazer frescas das feiras. Eu as degustava em dias de abril. Tuas primas, agora, estão a quatro mil planetas de distância, são humos para as folhas das laranjeiras de abril. Ontem rezei para Nossa Senhora das cabeças, para que me desse algum fio.
Um comentário:
E resolveu? E ela deu?
A vida é uma coisa cismada, que fica a continuar...
Um abraço,
Elis
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