É memória. Sim, memória. O interfone toca: restaurante Sol Nascente. Sim me lembro. Frango com quiabo. Foi isso. Ele ficou divagando comigo lá na mesa: “As paredes estão fechando sobre nossos pés”. Entre uma garfada e outra, um olhar e outro pra esse frango que, de repente, tem a minha cara, sua cara. É memória: a foice ceifou a conversa. Calei. Longos anos se passam desde que conheci seu corpo envolto no lençol, protegendo a cabeça cheia de escaras, fístulas e a escada espinhosa que nunca acabava. Eu era novo. O sol me falara timidamente sobre sobrevida. Então escutei: “Mas um homem renasce em cada sarça ardente e o alfabeto se renova rumo a um ponto macio sob o qual ninguém se apossa de nada. Aliás, as pessoas conversam em tons que não entendemos. Disseram-me que são luzes, túneis luminosos e que você sempre tem esse cordão umbilical, assim como eu”. Eram tempos: teu corpo que guiei na altura dos quarenta e oito quilos. Outro dia você veiopara almoçar o mesmo frango com quiabo. Os pés encostados. As agulhas, espetadelas e as letras garrafais desenhadas nas caixas de remédios. Veio. Perguntou: “O girino que nadava na bacia de relógios esquecidos encontrou alguma borboleta?”. Olho para o frango. O que há de real nele, as penas ou o pescoço torcido ou o tom cada vez mais moreno que escurece a pele? Uma baforada quente de um hálito me beija com sua típica ironia de quem sabe todas as respostas ao papo do quiabo com o frango: “São absurdos, entende?”. Mas não são não, porque a cria sempre se desdobra em mil e uma bolotas, mil e uma tetas. E vai bailando... muito além da compreensão momentânea de que é capaz um estúpido frango ensopado com quiabos... mas delicioso, delicioso.
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