A Morte da Porta Estandarte e Outras Histórias, foi publicado inicialmente em 1965, embora os contos constantes do livro já tivessem sido publicados anteriormente em outros livros do autor. Célebre e muito citado por conter Viagem aos Seios de Duília, considerado por muitos críticos um dos mais belos contos da literatura brasileira e que tem por tema o paradigma de como envelhecer. O livro também tem outros contos que poderiam facilmente figurar em diversas antologias dos best of the best do gênero, dessas organizadas pelo Flávio Moreira da Costa, tanto brasileiras quanto mundiais, tais como o Iniciado do Vento e o Defunto Inaugural.
Aníbal foi um escritor de períodos turbulentos: do entre-guerras, do período getulista e da modernização industrial. Dialogou com muitos grupos da geração modernista. Eleito presidente da Associação Brasileira dos Escritores, militou ativamente nos círculos políticos de sua época, tendo organizado em conjunto com Sérgio Milliet o 1º congresso dos escritores brasileiros. Além disso, dedicou-se a diversas atividades na área cultural, principalmente ao teatro. Ajudou a fundar o grupo TABLADO, que foi dirigido por muitos anos por Maria Clara Machado. Aníbal faleceu em 1964.
O conjunto dos contos apresentado na obra redesenha o universo fantástico, mágico, e também a realidade, descortinando personagens extremamente simples, quase anônimos cidadãos de nosso cotidiano, como os da história de partida do livro: O Iniciado do Vento, cujas personagens são identificadas apenas pelas profissões (o engenheiro José Roberto, a hoteleira, o juiz), com exceção de o Zeca da Curva, o menino-vento.
Em o Iniciado do vento, a história se passa em uma pequena cidade do interior que tem como principal característica o vento, é um ventinho que muitas vezes vem de supetão, mas se impõe com uma força terrível. Os três parágrafos iniciais do conto são magistrais, pois além de condensar informações e imagens, o anúncio de que algo vai acontecer é muito bem orquestrado por Aníbal, quando a manchete de jornal estará anunciando na cidade o que ocorreu no passado recente:
“Quem poderá dizer que amanhã mesmo aquele passageiro não esteja na manchete principal dos jornais como herói dos acontecimentos que o levam agora à cidadezinha de... no alto da serra.
A locomotiva ofegava entre as margens da bananeira.
O passageiro abandonou o jornal, deixou cair as folhas. Lera os crimes de outros, passaria em breve a ler o seu... crime [...]”.
As indicativas recorrentes do vento já se fazem presentes logo na abertura, se fizermos uma leitura atenta. As informações chegam na cidade através das notícias dos jornais e a idéia da locomotiva respirar nas margens da bananeira nos remete às ações do vento, impregnando-nos de sensações de velocidade. Interessante é perceber que contrapondo a esses elementos temos a sensação do desabar e da ausência no início do terceiro parágrafo, pois o engenheiro, ainda apenas passageiro, depara-se perplexo com a possibilidade de ler o seu crime. Ausência de vento.
Seguindo o enredo, o engenheiro José Roberto retorna à cidade para ser julgado sobre o desaparecimento de Zeca da Curva, um menino que vive de biscates e que é apaixonado pelo vento, paixão esta compartilhada e vivida pelo mesmo. Com Zeca, o engenheiro adentrou-se nos meandros da arte de curtir e sentir o vento, já que o menino era capaz de pressentir a vinda do vento e classificá-lo (brisa, ventinho, ventania, tufão). O que se delineia nas entrelinhas do conto é a amizade entre gerações e a percepção da vida. Metaforicamente, o menino é insuflado pela vida vivendo-a em seus instantes presentes. Durante os processos, o engenheiro refaz o percurso que o levou a viver o frisson de sentir a liberdade propiciada pelo o vento. Neste momento, Aníbal faz-nos conhecer sua maestria narrativa: o narrador assume a voz da personagem e nos conduz sensorialmente a passear pelo vento:
“Suas narinas farejavam os longes. Alguns instantes depois, ele tinha a cabeleira em desalinho, e o meu chapéu fora atirado à distância. Não era ainda o vento forte que eu esperava. Parecia a vanguarda de outro, maior, que vinha avançando atrás. E à medida que aumentava de velocidade, ai mostrando uma qualidade diferente daqueles que correm em outros lugares. Parecia ser da minha infância, trazendo o que havia de melhor e de mais antigo no espaço”.
Se avaliarmos a estrutura do conto e a compararmos com aquelas matérias principescas, ensinadas nas primeiras aulas de teoria da comunicação das graduações do curso de Letras e de Comunicação, veremos a linha clássica de fomento do conto: situações de equilíbrio, de desequilíbrio, clímax e um novo equilíbrio.
No conto, a elucidação é um dos momentos cruciais para o sucesso da história. Neste caso específico, o autor a resolve trazendo para um primeiro plano a personagem do juiz e mais uma vez o vento. Após o final da prestação de depoimentos, o vento invade a cidade, as bancas de jornal, a praça próxima ao foro, o próprio foro. Levanta os papéis do promotor. Penetra por entre a toga do magistrado. Naquele instante, o vento toma novo sentido para a cidade. O juiz devaneia. Mudam-se as relações. Ninguém vê mais o juiz:
“A última vez que fora visto, vagava pela colina de onde Zeca da Curva partira para sempre. Notaram que sobraçava o calhamaço de um processo. E que falava sozinho.
Qual fosse esse processo ninguém sabia. Sabia-se apenas que o vento soprava no calhamaço com força desconhecida e, uma a uma, arrancava-lhe todas as folhas...”.
E pelo visto nenhuma razão resiste ao poder das ventanias.
Aníbal foi um escritor de períodos turbulentos: do entre-guerras, do período getulista e da modernização industrial. Dialogou com muitos grupos da geração modernista. Eleito presidente da Associação Brasileira dos Escritores, militou ativamente nos círculos políticos de sua época, tendo organizado em conjunto com Sérgio Milliet o 1º congresso dos escritores brasileiros. Além disso, dedicou-se a diversas atividades na área cultural, principalmente ao teatro. Ajudou a fundar o grupo TABLADO, que foi dirigido por muitos anos por Maria Clara Machado. Aníbal faleceu em 1964.
O conjunto dos contos apresentado na obra redesenha o universo fantástico, mágico, e também a realidade, descortinando personagens extremamente simples, quase anônimos cidadãos de nosso cotidiano, como os da história de partida do livro: O Iniciado do Vento, cujas personagens são identificadas apenas pelas profissões (o engenheiro José Roberto, a hoteleira, o juiz), com exceção de o Zeca da Curva, o menino-vento.
Em o Iniciado do vento, a história se passa em uma pequena cidade do interior que tem como principal característica o vento, é um ventinho que muitas vezes vem de supetão, mas se impõe com uma força terrível. Os três parágrafos iniciais do conto são magistrais, pois além de condensar informações e imagens, o anúncio de que algo vai acontecer é muito bem orquestrado por Aníbal, quando a manchete de jornal estará anunciando na cidade o que ocorreu no passado recente:
“Quem poderá dizer que amanhã mesmo aquele passageiro não esteja na manchete principal dos jornais como herói dos acontecimentos que o levam agora à cidadezinha de... no alto da serra.
A locomotiva ofegava entre as margens da bananeira.
O passageiro abandonou o jornal, deixou cair as folhas. Lera os crimes de outros, passaria em breve a ler o seu... crime [...]”.
As indicativas recorrentes do vento já se fazem presentes logo na abertura, se fizermos uma leitura atenta. As informações chegam na cidade através das notícias dos jornais e a idéia da locomotiva respirar nas margens da bananeira nos remete às ações do vento, impregnando-nos de sensações de velocidade. Interessante é perceber que contrapondo a esses elementos temos a sensação do desabar e da ausência no início do terceiro parágrafo, pois o engenheiro, ainda apenas passageiro, depara-se perplexo com a possibilidade de ler o seu crime. Ausência de vento.
Seguindo o enredo, o engenheiro José Roberto retorna à cidade para ser julgado sobre o desaparecimento de Zeca da Curva, um menino que vive de biscates e que é apaixonado pelo vento, paixão esta compartilhada e vivida pelo mesmo. Com Zeca, o engenheiro adentrou-se nos meandros da arte de curtir e sentir o vento, já que o menino era capaz de pressentir a vinda do vento e classificá-lo (brisa, ventinho, ventania, tufão). O que se delineia nas entrelinhas do conto é a amizade entre gerações e a percepção da vida. Metaforicamente, o menino é insuflado pela vida vivendo-a em seus instantes presentes. Durante os processos, o engenheiro refaz o percurso que o levou a viver o frisson de sentir a liberdade propiciada pelo o vento. Neste momento, Aníbal faz-nos conhecer sua maestria narrativa: o narrador assume a voz da personagem e nos conduz sensorialmente a passear pelo vento:
“Suas narinas farejavam os longes. Alguns instantes depois, ele tinha a cabeleira em desalinho, e o meu chapéu fora atirado à distância. Não era ainda o vento forte que eu esperava. Parecia a vanguarda de outro, maior, que vinha avançando atrás. E à medida que aumentava de velocidade, ai mostrando uma qualidade diferente daqueles que correm em outros lugares. Parecia ser da minha infância, trazendo o que havia de melhor e de mais antigo no espaço”.
Se avaliarmos a estrutura do conto e a compararmos com aquelas matérias principescas, ensinadas nas primeiras aulas de teoria da comunicação das graduações do curso de Letras e de Comunicação, veremos a linha clássica de fomento do conto: situações de equilíbrio, de desequilíbrio, clímax e um novo equilíbrio.
No conto, a elucidação é um dos momentos cruciais para o sucesso da história. Neste caso específico, o autor a resolve trazendo para um primeiro plano a personagem do juiz e mais uma vez o vento. Após o final da prestação de depoimentos, o vento invade a cidade, as bancas de jornal, a praça próxima ao foro, o próprio foro. Levanta os papéis do promotor. Penetra por entre a toga do magistrado. Naquele instante, o vento toma novo sentido para a cidade. O juiz devaneia. Mudam-se as relações. Ninguém vê mais o juiz:
“A última vez que fora visto, vagava pela colina de onde Zeca da Curva partira para sempre. Notaram que sobraçava o calhamaço de um processo. E que falava sozinho.
Qual fosse esse processo ninguém sabia. Sabia-se apenas que o vento soprava no calhamaço com força desconhecida e, uma a uma, arrancava-lhe todas as folhas...”.
E pelo visto nenhuma razão resiste ao poder das ventanias.
8 comentários:
meu caro, claro que virei por aqui; já está inclusive linkado pelos desconcertos. grande abraço!
Vim conhecer o blog e deixar meu abraço.
Gostei do teu blog, que bom estar postando novamente. Prazer, Gerson.
www.diariodogerson.blogspot.com
Pessoal,
Obrigado pela visita. Espero que gostem do conteúdo!
É sempre bom ver vida inteligente na web.
Vida longa ao RIO MOVEDIÇO!
Parabéns pelo blog. Gostei do texto sobre o Anibal Machado. Li A Morte da Ports-Estandarte e Viagem aos Seios de Duília em uma coleção que o jornal O Dia lançou na década passada. Espero textos sobre outros autores. Abraço. Gustavo.
A morte da porta-estantarte e outras histórias foi publicado depois da morte de Aníbal, mas não é um livro póstumo. Havia sido publicado anteriormente como "Histórias reunidas" e, antes ainda, como "Vila Feliz". A editora foi alterando o nome para vender aproveitando a fama dos filmes. O livro póstumo é o João Ternura. Só li o começo do seu texto por conta disso.
Caro Anônimo,
Realmente você tem razão. Erro corrigido, texto reformulado. Como diria um amigo: "winwenders e aprendendis!". Bem, agora você poderia ler o texto até o fim e postar algum outro comentário, isto é claro, se te proporcionar prazer, assim quem sabe podemos iniciar outros diálogos.
Muito obrigado!
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